Sucesso da web: Jovem de Quijingue é a nova sensação; conheça o cara da Luva de Pedreiro

07/03/2022 11:59 • 5m de leitura

Quase toda boa gíria ou expressão que consegue se manter viva e atual costuma conseguir isso através de transformações ou variações. Um caso emblemático é a baianíssima “receba a galinha pulando”, que diminuiu nos últimos anos, mas ampliou seu alcance para escalas internacionais por meio do jovem Iran Ferreira, 20 anos. Morador da zona rural de Quijingue, no nordeste do estado, o ex-lavrador ficou conhecido pelo perfil Luva de Pedreiro que, de tão incensado nos últimos dias, ganhou a atenção de ninguém menos que Neymar Jr. Na sexta, o craque da Seleção e do PSG repostou um dos já consagrados tipos de vídeos feitos por Iran, em que aparece num campinho de terra batida dominando uma bola e chutando no ângulo. “Que chapada. RECEBAAA!!!!”, parabenizou o Adulto Ney sobre o lance.

Como em quase todos os vídeos, a cena termina numa comemoração exagerada, com o rapaz tirando a camisa, denunciando a escassez de músculos, e autoestima de sobra. “Receba! Graças a Deus, pai. Simmm!”, costuma dizer, com algumas variações de termos. A habilidade no domínio da pelota e os arremates precisos se juntam ao carisma, os discursos motivacionais e as expressões de orgulho por ser da Bahia, do Brasil, numa jogada bem feita para cativar inclusive quem não entende o que ele fala. O bom humor habitual, expresso em auto-elogios, e os agradecimentos a Deus, com sinais da cruz na velocidade 5, completam a tática perfeita.

“Comecei a fazer vídeo no ano passado, pra dar uma renda pra minha família. Eu vi muita gente fazendo vídeo e dando certo, né? Então eu disse, ‘quer saber de uma, eu vou me aventurar e vou fazer também’, e graças a Deus deu certo”, contou Iran, que já num dos primeiros vídeos alcançou 30 milhões de contas no TikTok.

A velocidade de sua ascensão ainda surpreende: até o mês passado eram já expressivos 3 milhões de seguidores no TikTok, além de 600 mil no Instagram, muita coisa. Nos últimos dias, saltos ainda mais altos. O Luva de Pedreiro alcançou, na sexta, 5,4 milhões de fãs no TikTok, 1,1 mi no Insta e sua conta no Twitter, criada apenas um dia antes, rapidamente alcançou 170 mil seguidores.

‘Eseba’
Em perfis gringos famosos, o conteúdo do boleiro baiano quase sempre tem um engajamento alto. Na quarta, a página 433, que publica conteúdo sobre futebol e possui 47,5 milhões de seguidores apenas no Insta, postou mais uma do Luva de Pedreiro colocando uma bola na forquilha. “Eh, caraca! Eu sou da Bahia, Nordeste, Brasil! Cara da luva de pedreiro é o melhor de todos, graças a Deus, pai!”, celebrava Iran, com a empolgação característica. Nos comentários estrangeiros — a imensa maioria —, o “receba” recebe adaptações como “ESEBA”, neste caso ganhando mais de 6 mil likes. Os BR foram aos comentários do comentário para tentar traduzir, mas qual a importância? Outras páginas bombadas do universo desportivo também já replicaram os conteúdos, a exemplo do jornal espanhol Marca, além de páginas brasileiras muito populares como Desimpedidos e Esse Dia Foi Louco. As paródias de peladeiros nas mais diversas línguas também são inúmeras, com o “receba” interpretado das formas mais curiosas. “Eh seba”, “Eu seba” são algumas das mais difundidas. Os bordões de Iran, que fizeram o povoado Tábua ficar falado no mundo inteiro, também operam milagres: o ítalo-senegalês Khaby Lame, que se tornou o dono do perfil mais famoso do TikTok sem dizer uma palavra, abriu uma exceção ao imitar o baiano. “Receba! Receba, carai! Simmmm!”, diz Khaby num vídeo feito por um fã. “Eu não tava nem acreditando, porque eu sou fã demais daquele cara. Quando ele falou aquilo, cê é doido, fiquei muito alegre”, disse Iran, ao relembrar a homenagem do ídolo gringo.

Origens
O open bar de felicidade, no entanto, não combina em nada com a rotina de dificuldades que Iran sempre levou, vivendo numa das regiões mais pobres da Bahia. “Eu trabalhava na enxada, limpando roça, arrancando velame, dando comida às ovelhas, aos gados, limpando o quintal do pessoal”, conta o moço, que tenta, junto com vizinhos e familiares, assimilar o novo momento. “Rapaz, pro pessoal onde eu moro não caiu a ficha ainda. Está começando a cair a ficha agora que eu tô reconhecido, agora que eu tô sendo assessorado. Mas ainda não caiu minha ficha”, admitiu. Assim como o campinho de terra em que tenta simular um jogo da Liga dos Campeões, o uso de luvas também são parte do teatro de contrastes em que baseia parte do humor que faz: num dos lugares mais quentes do país, usa a proteção para fingir que está atuando em locais de baixas temperaturas, na Europa. Sem dinheiro para comprar uma luva da Nike, o jeito foi recorrer à loja de materiais de construção, origem da Luva de Pedreiro.

*Correio da Bahia

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