“Ou você se revolta com o que aconteceu, com tudo e todos, ou você segue firme e forte”. Ronny Britto, ex-integrante da Faneob, a fanfarra de Euclides da Cunha, tinha estas duas opções após o acidente que vitimou seis colegas e amigos da banda. Ele escolheu seguir em frente, mesmo tendo uma infinidade de motivos cravados em seu corpo e que poderia direcioná-lo a muitos outros caminhos. Em uma entrevista concedida ao jornalista Josevaldo Campos, do site Retratos e Fatos, o ex-regente mor e coordenador da banda, sobrevivente do trágico e comovente acidente com a fanfarra em novembro de 2018, Ronny contou detalhes precisos e inéditos do acidente, minutos e segundos antes da tragédia acontecer, além da relação com os amigos que se foram, dos desafios com as cirurgias, a resiliência com o tratamento e desabafa, em forma de cobrança, por mais reconhecimento do legado daqueles que se foram.
Como está o Ronny hoje, três anos após o acidente
“É uma lida e uma metamorfose. Depois daquele dia foram muitas transformações e ainda está sendo, porque além de você ter estas perdas irreparáveis, você tem outras perdas internas, você tem psicológica. Tive fisicamente também, mas quando você fala em perda física, você tenta superar, mas a perda emocional, a perda dos meninos ela não se recupera. Nunca. Você vai trabalhando para tal. Eu tive que trabalhar muito essa minha situação de não os ter mais perto de mim, porque foram vários anos, não foram 20 dias, dois anos, foram 20 anos com eles”, disse Ronny.
Nos últimos anos, Ronny era questionado pelas pessoas sobre seu retorno à banda. “Não, não vou voltar, o meu ciclo se fechou ali naquele dia junto com os meninos; quem sabe futuramente. Se for para ser, será. Porque foi muito impactante, muito, digamos assim, destruidor”, conta.
Os momentos de conforto
“Eu me conformo com os momentos maravilhosos que a banda, a fanfarra de Euclides da Cunha passou e fez; a sua história. Ela fez a sua história. O bom é isso. E isso tem que ser lembrado. Eu não percebo que a fanfarra está sendo lembrada. Os meninos morreram por morrer. Ninguém lembra deles. E aí? Só choraram? Entendeu? Fizemos nada, construímos nada. Que cultura é essa? Que empatia é essa? Está entendendo como é a história? Lembro eu. Eu sou obrigado a lembrá-los. Eu sou obrigado. A família é obrigada. Tem gente aí que não está nem aí. Eu acredito assim, que poderia dar uma ênfase maior aos meninos que se foram, porque eles fizeram história. Eles têm história dentro da cidade. Hoje você vê que tem lugares e fanfarras que tem memorial dos meninos, Euclides não tem um memorial em homenagem. Não tem. Se você for em Salvador, tem uma fanfarra que colocou um memorial. Se você for a Biritinga, tem um memorial. E Euclides?”, questiona ele.
Recordações do acidente
“Ainda. Tem dias que eu acordo de madrugada chorando e o meu impacto maior… para mim, eu só vejo que o acidente aconteceu quando eu olho para minha perda, aí eu vejo que realmente foi real. Mas aí a gente vai. Tem dias que a gente está bem, tem dias que a gente está mal. No dia eu tinha esquecido de tirar a foto, e quando chegou em Serrinha eu disse: ‘Marcos, vamos tirar a foto oficial, eu esqueci de tirar na frente da banda’. Porque em todas as viagens eu tirava e colocava: ‘Viagem, Deus nos abençoe, e que Deus nos livre de todo o mal, amém’. Toda viagem eu colocava e postava. E aí quando chegou em Serrinha, seguimos, eu liguei para minha irmã para passar lá, depois religuei e falei, ‘olha, não vai dar tempo porque a gente está atrasada, o ônibus já saiu atrasado’. Adiante, Marcos conversando que depois do ensaio lá em Antônio Cardoso a gente ia tomar umas cervejinhas básicas, claro, que era de lei para a gente desestressar e relaxar. E aí Marcos olhou para mim e disse assim: ‘Ronny, aquela carreta está vindo na nossa direção, está bambeando, vai bater e vai matar todo mundo’. Eu disse: ‘não, menino, são os buracos na pista’. Só, Josevaldo, que quando eu olhei, a pista estava reta, sem nenhum buraco. Ali foi que eu me assustei. Só que na hora que eu me assustei, que eu olhei, como eu estava na frente, atrás do Orlando, [motorista do ônibus, que também faleceu] eu vi já que a carreta já estava na frente da gente. Aí eu gritei, ‘gente, se segura, pelo amor de Deus, que vai bater, vai matar todo mundo’. Eu só fiz fechar a boca. Quando eu fechei a boca, a gente recebeu a explosão“, conta Ronny.
Ronny ainda faz acompanhamento fisioterápico e psicológico, e trava uma luta diária para se adaptar às suas novas condições físicas. “Prótese não é para qualquer pessoa. Prótese é para quem, simplesmente, quer superar os traumas da vida, porque essa prótese aqui, amigo, se fosse para eu desistir, eu já teria desistido, porque você sofre, você sofre. Ela tem etapas, são ciclos”. Leia mais em Retratos e Fatos.