‘PEC da Blindagem’ é aprovada na Câmara; o que pode mudar com proposta para dificultar processos criminais contra parlamentares

17/09/2025 02:56 • 6m de leitura

A Câmara dos Deputados concluiu nesta quarta-feira (17/09) a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende blindar parlamentares de processos criminais. A proposta agora, segue para análise do Senado, mas não há previsão de quando será apreciada, devido à resistência de parte dos senadores e à reação negativa à PEC nas redes sociais. Alterações na Constituição só entram em vigor caso aprovadas de forma idêntica nas duas Casas legislativas. Chamada de “PEC das Prerrogativas” ou “PEC da Blindagem” — a depender do ponto de vista de quem fala —, a proposta promove mudanças no artigo que trata da imunidade parlamentar. Após a tentativa fracassada de votar o texto no final de agosto, a PEC ganhou uma versão mais branda agora na Câmara, mas que continua aumentando a proteção dos congressistas. A proposta faz parte de um conjunto de projetos que ganhou fôlego após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar parlamentares e outros políticos por ataques à democracia, como ex-deputado Daniel Silveira e, mais recentemente, o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por golpe de Estado. A oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta votar também outra medida desse pacote de reação ao STF: a anistia para Bolsonaro e outros condenados envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Pressionado, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), convocou para a tarde de quarta-feira (17/9) um nova reunião de líderes partidários para discutir a votação de um requerimento de urgência da matéria — mecanismo que, caso aprovado, pode tornar a tramitação da proposta de anistia mais célere. A “PEC da Blindagem”, porém, não é apenas uma pauta do campo bolsonarista. O Centrão, grupo de partidos conservadores, também apoia a medida, em um momento que o STF tem apertado o cerco sobre suspeitas de corrupção envolvendo emendas parlamentares — recursos federais que congressistas podem destinar a seus redutos eleitorais. O novo texto da PEC foi redigido pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA), escolhido como novo relator da proposta pelo presidente da Câmara. A principal mudança mantida na nova versão é a volta da exigência de um aval da Câmara ou do Senado para que o parlamentar possa ser processado no STF. Essa regra estava prevista na Constituição de 1988, mas foi derrubada pelo Congresso em 2001 devido às críticas de que produzia impunidade. Desde então, o Supremo tem liberdade para iniciar processos criminais contra parlamentares. Já o Congresso, atualmente, pode apenas suspender uma ação penal após ela ser iniciada na Corte, quando os crimes tiverem sido cometidos durante o mandato parlamentar. Por outro lado, a nova versão da PEC não cria mais a exigência de aval do Congresso para abertura de investigações criminais contra parlamentares, como previa a proposta original. Com isso, mantém o funcionamento atual: o STF pode autorizar inquéritos contra parlamentares livremente e o Congresso não tem poder de interrompê-los. A nova versão da PEC traz ainda uma novidade em relação à primeira proposta: garante foro especial no STF também a presidentes de partidos. Em discursos antes da votação, deputados bolsonaristas defenderam a aprovação da proposta, argumentando que o STF persegue parlamentares de direita. “Essa PEC não é a PEC das Prerrogativas, na minha opinião. Essa PEC é a PEC do fim da chantagem, a PEC do fim da perseguição!”, disse, exaltado, o deputado Gustavo Gayer (PL-GO). “É a PEC da libertação desse Congresso para que a gente possa votar de acordo com os nossos eleitores e não de acordo com a vontade de alguns não eleitos do Supremo Tribunal Federal”, reforçou. Já o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) disse que a medida vai favorecer políticos corruptos. E defendeu o fim do foro privilegiado para evitar “abusos” do Supremo. “Durante o período da Constituição de 88, quando o texto que querem aprovar agora estava em vigor, nenhuma investigação contra parlamentar foi autorizada. Nem em caso de homicídio, como houve. Nem em casos de corrupção, como houve. Nem em caso de tráfico, como houve”, disse. “Mais de 300 pedidos de investigação foram feitos quando havia essa redação na Constituição de 88, de o Congresso precisar permitir, e nenhum deles foi processado criminalmente”, continuou. Por se tratar de uma PEC, que tem uma tramitação especial, o texto precisa ser aprovado em dois turnos, tanto na Câmara quanto no Senado. Além disso, é preciso apoio de três quintos dos deputados (308 votos) e senadores (49 votos). Na Câmara dos Deputados, o texto foi aprovado por 353 votos a favor e 134 contra no primeiro turno. Já no segundo, foram 344 votos a favor e 133 contra.

PEC institui voto secreto para proteger parlamentares

A PEC estabelece ainda que a Câmara ou Senado terão um prazo de 90 dias para analisar a abertura de um processo criminal. Se isso não ocorrer, a ação penal será iniciada automaticamente. Além disso, a proposta prevê que o processo só será autorizado após votação secreta, em que haja apoio da maioria absoluta de uma das casas legislativas. Outra mudança é que a PEC também torna secreta a votação para avaliar a prisão em flagrante de parlamentares. Hoje, congressistas só podem ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis (racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas, terrorismo, crimes hediondos e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o estado democrático). O Congresso pode derrubar a prisão, mas, na regra atual, a votação é aberta. A questão da votação sigilosa gerou grandes embates na Câmara. Parlamentares que se opõem à PEC da Blindagem conseguiram aprovar um destaque derrubando a previsão de voto secreto na madrugada desta quarta-feira. Isso acorreu depois que parte dos deputados já havia deixado o Congresso, após aprovarem o texto base da PEC na noite de terça. Depois disso, Motta suspendeu a votação e convocou uma nova votação para a manhã desta quarta-feira, em que os deputados favoráveis à PEC adotaram uma manobra para voltar com a previsão do voto sigiloso. Em vez de continuar a analisar os destaques ao texto base da PEC, mecanismo que serve para suprimir partes do texto aprovado, foi apresentada uma emenda aglutinativa, juntando os destaques que ainda não haviam sido votados e retornando ao texto a previsão de voto secreto. Parlamentares de partidos como PT, PSOL e Novo argumentam que essa manobra contraria a Constituição e o regimento da Câmara e prometeram recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular a aprovação da PEC.

BBC*

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