A pandemia de Coronavírus (COVID-19) tem gerado uma série de reflexões na sociedade. Pessoas passaram a questionar mais a desigualdade social, a falta de investimentos em serviços público e, também, seus hábitos, entre eles os alimentares. Essa é a avaliação de Carmen Janaína Machado, educadora da Escola Família Agrícola da Região Sul (EFASUL).
“O isolamento social nos possibilita começar um exercício de reflexão sobre acessar as feiras de agricultura familiar, repensar o consumo diário, os hábitos alimentares. Até que ponto é necessário comprar alimentos ultraprocessados em mercados? ou frutas que vêm de outras regiões e levam alta dosagem de agrotóxicos?”, questiona.
A educadora da EFASUL ressalta que o contexto de pandemia possibilita uma maior atenção da população à produção local e familiar de alimentos, seja pela diversidade, seja pela proximidade. “Temos que pensar de quem estamos comprando, de quem estamos adquirindo alimentos. Quem produz e quem é capaz de sustentar a produção de alimentos no momento é a agricultura familiar”, comenta.
Ela cita, ainda, importantes iniciativas de montagem de cestas de alimentos para pessoas vulneráveis com produtos da agricultura familiar, o que vem ocorrendo em Pelotas e em Porto Alegre.
A agricultura familiar
Cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros vem da agricultura familiar, e não do agronegócio, que ocupa a maioria do território do país com métodos destrutivos e predatórios.
“Alimentamos o Brasil, no sentido nutricional, mas também no sentido cultural das relações. Uma lavoura não é somente uma paisagem. Para além do alimento, a lavoura é a permanência da história de cada família em várias gerações. os modos de fazer agricultura, os saberes”, afirma Carmen Janaína Machado.
É a agricultura que garante a soberania alimentar ao povo brasileiro. “Falar de soberania alimentar é pensar em comida com gosto, com sabor, com peso nutricional alto, com diversidade de proteínas e também que assegura a continuidade de modos de fazer agricultura. Quando se fala em soberania alimentar, se fala em agricultura familiar. A economia solidária está vinculada a esse modo de produção, que cuida do solo, em diálogo com a natureza e não em confronto com ela. Não é devastando e produzindo em larga escala que vai haver retorno. É necessário ter uma produção diversificada, produzir de tudo um pouco, em relação com a natureza”, completa a educadora da EFASUL.
Soberania alimentar
Denise Gigante, docente da UFPel, explica a origem do conceito de soberania alimentar. Após a Segunda Guerra, a ideia era de que a população não tinha alimentos suficientes, então era necessário aumentar a produção de alimentos. O aumento foi tratado como um aumento de produção “a qualquer custo”, e então começou-se a produzir alimentos em larga escala, com bastante uso de agrotóxicos.
“Já o conceito de soberania alimentar surge no final da década de 90, em uma reunião da FAO-ONU, em Roma, com a participação de camponeses e pequenos agricultores, que buscaram mostrar que os povos deveriam ter o direito de produzir e de se alimentar do modo que desejassem. Nesse sentido, surge o conceito de soberania alimentar, que deve estar acompanhado pela segurança alimentar e nutricional”, afirma Denise.
Para a docente, a soberania alimentar, em tempos de pandemia, assume importância ainda maior na medida em que há falta de investimento em saúde observada nos últimos anos, o aumento da pobreza e, também, o menor investimento em políticas públicas.
“O Programa de Aquisição de Alimentos, que foi criado com o objetivo de fortalecer a agricultura familiar, fortalecer localmente as redes de comercialização, a produção orgânica e agroecológica dos alimentos, estimular os hábitos saudáveis e a organização dos agricultores em cooperativa está tendo menos incentivos”, afirma Denise Gigante. Para a docente da UFPel, nesse momento é que justamente o governo deveria investir no programa, garantindo maior escoamento da produção dos pequenos agricultores.
Viração de semana que vem aborda o tema
Saiba mais sobre o tema no programa Viração de 4 de maio (segunda que vem), às 13h30 na RádioCom 104.5 FM.