O vício em sites de apostas online, as chamadas ‘bets’, tem gerado impactos profundos no setor de bares e restaurantes, atingindo tanto a gestão dos negócios quanto a clientela. Uma pesquisa recente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) revelou que 44% dos empresários do setor identificam problemas relacionados ao envolvimento de funcionários com essas plataformas, resultando em faltas ao trabalho, endividamento e até prejuízos às relações interpessoais. De acordo com Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel, as apostas não afetam apenas os trabalhadores, mas também a saúde financeira dos estabelecimentos. “O envolvimento com as ‘bets’ tem gerado sérios impactos na vida dos funcionários, levando ao endividamento, faltas ao trabalho e problemas psicológicos”, afirmou. Além disso, 62% dos empresários notaram uma redução no movimento, atribuída à destinação de parte da renda de seus clientes para as apostas. A Abrasel defende medidas para enfrentar essa crise, como a regulamentação da publicidade de casas de apostas e o bloqueio de cartões de crédito para esses serviços. No rastro da proibição pelo governo do uso de recursos de programas sociais em plataformas de apostas, empresários de bares e restaurantes destacam que é preciso ampliar o debate sobre o impacto econômico e social do fenômeno. Na Bahia, embora a Abrasel-BA não possua dados concretos sobre o afastamento de funcionários devido ao vício em apostas, o presidente da entidade, Leandro Menezes, aponta a existência de uma relação direta entre o aumento de gastos com apostas e a redução no consumo em geral. “Já temos mais de 40% da população brasileira realizando algum tipo de aposta. Desses, 64% utilizam sua renda principal, e quase 20% deixam de realizar compras essenciais, como alimento e material de higiene. Acreditamos que esse impacto é ainda maior no segmento de alimentação fora do lar, pela conotação de lazer e menor essencialidade em grande parte dos momentos”, observou. Na avaliação de Leandro, são necessárias medidas para barrar o crescimento das apostas. Apesar disso, ele acredita que, no estágio atual, nenhuma ação isolada será capaz de frear o cenário de “avanço e descontrole” do mercado. “Acredito que ações como definição de limites de valores e tempo para apostas podem ajudar bastante. A limitação de propagandas também terá um papel significativo para redução nesse comportamento compulsivo do apostador. Também é necessário intensificar debates e campanhas sobre as consequências da dependência em apostas, assim como ofertar tratamento aos que já estão dependentes. A proibição recente do uso de cartão de crédito para apostas também deverá ajudar nesse processo”, pontuou. Por fim, o presidente da Abrasel-BA também ressaltou que a entidade tem promovido debates sobre o tema, além de levar conteúdo e compartilhar experiências com o objetivo de auxiliar o empreendedor no processo de conscientização em torno das apostas. “Infelizmente, essas consequências estão cada vez mais presentes em nossos dias, com colaboradores endividados, solicitando vales, com problemas psicológicos pelas dívidas e dependência em apostas. Em casos mais graves, chegando ao desvio de recursos das empresas para apostar ou pagar dívidas de apostas”, lamentou.
Procurada pelo Portal M! para comentar a pesquisa realizada pela Abrasel, a presidente do Sindicato dos Empregados em Bares, Restaurantes e similares de Salvador e Região Metropolitana (Sindbares), Brasilina Neta, disse que o levantamento “carece de profundidade e contexto”. “É fundamental trazer mais clareza e dados concretos, antes de atribuir problemas complexos, como endividamento e mudanças de comportamento, a uma única atividade”, defendeu. Segundo ela, os desafios enfrentados por trabalhadores do setor não podem ser atribuídos exclusivamente às apostas online. “Problemas como endividamento, faltas ao trabalho e questões psicológicas são reflexos de uma sociedade marcada por baixos salários, jornadas exaustivas e falta de políticas de bem-estar no ambiente corporativo. Segundo dados do IBGE, em 2023, 40% dos trabalhadores no Brasil ganhavam menos de um salário mínimo por mês, o que torna a gestão financeira e a qualidade de vida uma luta diária”, enfatizou. Ela enfatizou ainda que o problema do vício em apostas não é específico de trabalhadores de bares e restaurantes, mas sim uma questão multissetorial, que atinge pessoas de todas as classes sociais e profissões. “Relacionar isso unicamente a um grupo é simplista e injusto”, avaliou. Com relação à pesquisa, Brasilina afirmou que o levantamento “não apresenta detalhes metodológicos claros”, a exemplo do número de participantes, perfil dos empresários consultados ou até mesmo o contexto das perguntas feitas. “Sem esses dados, é impossível garantir a representatividade ou validade das conclusões apresentadas. Além disso, o dado de ‘44% dos empresários’ que acreditam no impacto das apostas não reflete, necessariamente, uma correlação direta ou comprovada, podendo ser fruto de percepções subjetivas”, pontuou. Ainda conforme a presidente do Sindbares, é “incoerente culpar as apostas online sem abordar os verdadeiros fatores que impactam o bem-estar dos funcionários”, a exemplo da falta de políticas de valorização profissional e a precarização do trabalho no setor. “Os trabalhadores do setor de bares e restaurantes no Brasil enfrentam desafios estruturais há décadas, como salários que não acompanham a inflação, ausência de benefícios e longas jornadas, que prejudicam a saúde mental. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que o salário médio de um trabalhador brasileiro, em 2023, era insuficiente para cobrir o custo da cesta básica em diversas capitais do país”, observou. Por fim, Brasilina também defendeu que o impacto no consumo dos clientes também merece revisão. Na avaliação dela, a afirmação de que 62% dos empresários notaram uma redução na frequência de clientes devido às apostas também é “questionável”. “Sem uma análise econômica mais ampla, é impossível isolar esse fator. O consumo em bares e restaurantes é fortemente influenciado pela renda disponível das famílias, que foi impactada pela inflação e pelo aumento do custo de vida. Dados do Banco Central mostram que, em 2023, o endividamento das famílias brasileiras atingiu um dos maiores índices da história, chegando a 78,4% da renda acumulada – e isso não está diretamente relacionado às apostas”, alertou. Com isso, a presidente do Sindbares afirmou que os números apresentados pela Abrasel “desviam o foco de problemas estruturais do setor, como baixos salários e condições de trabalho precárias, para um único culpado externo”. “Se realmente desejamos promover melhorias, é essencial discutir questões como a valorização dos trabalhadores, regulamentação justa da carga horária e políticas de inclusão de bem-estar no ambiente de trabalho. O problema das apostas online, embora relevante, é um reflexo de uma sociedade desigual e não deve ser usado como bode expiatório para desafios que o setor de bares e restaurantes enfrenta há décadas”, ressaltou.
Em meio ao aumento no número de relatos de pessoas viciadas em apostas, o Portal M! entrou em contato com o Grupo Jogadores Anônimos, fundado nos Estados Unidos há 67 anos e que chegou ao Brasil há 33 anos. Na capital baiana há 18 anos, o grupo é formado por pessoas que tiveram problemas com o vício em jogos/apostas, e que, por gratidão, ajudam aqueles que estão chegando com os problemas e as consequências causadas por isso. Em contato com a reportagem, Willian* explicou não ter conhecimento de casos de apostadores que deixaram de frequentar bares e restaurantes, mas alertou para as dificuldades sofridas por essas pessoas. “Principalmente porque para a compulsão, qualquer que seja, não existe cura. Na medicina tradicional, não existe medicação específica para curar a compulsão. Tem-se o controle, que tem que partir da própria pessoa, ter o desejo de parar de jogar. Sozinho, fica mais difícil encontrar uma solução para estancar o problema. Então, é necessário que a pessoa realmente queira fazer a mudança de atitudes e comportamentos para fazer o recomeço na vida”, observou. Nesta linha, ele ressaltou que a família tende a ser um “porto seguro” e é responsável por ajudar no processo, bem como o “poder superior”. “Não somos um grupo religioso, somos um grupo espiritual, cada um escolhe o Deus da compreensão de cada um. Médicos/psiquiatras e psicólogos podem ajudar de maneira profissional, se eles definirem a necessidade da atuação. E na irmandade de jogadores, todos são iguais na doença e se ajudam mutuamente com exemplos, experiências e ideias de como pode dar certo a recuperação”. Willian* ressaltou ainda que o grupo não trata “modalidades específicas de jogos”, e afirmou que não tem nada contra o jogo em si. “Nosso foco é somente ajudar o jogador compulsivo que está sofrendo, no intuito de ajudarmos a controlar a compulsão, fazer a recuperação e se tornar uma pessoa melhor para si mesmo, para a família e para a sociedade”, pontuou. “O controle e a recuperação são individuais, e nas reuniões, são passadas as sugestões das pessoas que já estão abstinentes do jogo/aposta há algum tempo, e passam suas experiências para as pessoas que estão chegando à irmandade”, completou.
Por fim, ele explicou que o grupo funciona nos moldes do Alcoólicos Anônimos (AA) e do Narcóticos Anônimos (NA), que adotam os ’12 Passos de Recuperação’ como um roteiro para promover uma recuperação longa e consistente. “Para se fazer a recuperação, é necessário que se frequente as reuniões presenciais, onde existam grupos locais”, recomendou. Em Salvador, as reuniões acontecem sempre às terças-feiras, das 19h às 21h, no Centro Comunitário da Igreja da Pituba, na Rua Alameda Verona nº 158, sala 14, no Itaigara, e pela internet, através da plataforma Zoom. “Estas têm, no mínimo duas reuniões diárias, em diversas cidades do país, geralmente às 18h e às 20h, e as pessoas escolhem os horários mais convenientes para participar”, observou. * Nome fictício
Muita Informação*