Equipe do Ana Oliveira, um instrumento que foi afinado no final da sua jornada; Artigo de Gilma Reis

28/11/2023 02:42 • 10m de leitura

“Nada existe que capacite tão bem o homem para superação de uma dificuldade como isto: a consciência de ter uma tarefa a cumprir”!
Viktor Frakl,1990

Para que serve o afinador de um instrumento?
Seja para músicos profissionais ou para quem está começando a tocar algum instrumento, de cordas ou não, este precisar passar pelo processo de afinação. Sem esse processo, é impossível deixar o instrumento com o tom adequado para tocar melodias e fazer o maior sucesso com suas músicas. Assim aconteceu com a equipe do Ana Oliveira: professores, coordenadores, diretores, alunos e demais funcionários. Todos nós passamos por um processo de transformação para chegar a essa linda afinação. Mas atenção, para tocar melodias saudáveis, harmônicas e alegres, é preciso que se descubra a palavra mágica: Eu quero ser transformado!

E que bom que nos permitimos e desejamos ser transformados.  É fundamental nos abrirmos cada vez mais a esse processo de mudança e transformação interior, isso é a evolução humana e espiritual. Viktor Frankl, criador da logoterapia, afirmou que o homem é um ser aberto para a vida, logo, ele não é fechado como um funil, pois somos únicos, singular e irrepetíveis.

Nesse sentido, o ano letivo nesta instituição Ana Oliveira nos permitiu enfrentar situações um tanto desafiadoras, nos convocando a realizar sentido através de valores criativos, vivências atitudinais, sendo assim, encontramos soluções para cada problema que emergia em determinado momento. Foram situações de profundas crises existências que cada um de nós enfrentamos durante este ano em nosso ambiente de trabalho e não tenhamos dúvidas, todos nós certamente tivemos vontade de abandonar o barco. No entanto, Jesus não deixou sozinhos, pois, no Evangelho de Mt 28, 20, Ele nos fez uma promessa de que estaria conosco até o fim, isto é, para sempre. E nós somos prova do amor fiel de Deus por nós nessa jornada pedagógica e existencial.

O nosso primeiro fortalecimento foi a fé. Ela é fundamental para que suportemos as situações desafiadoras da vida, pois, através da fé, o ser humano alimenta a esperança para continuar a seguir em frente. O segundo passo para que as coisas dessem certo foi a nossa decisão interior de querer participar, colaborar, ajudar e contribuir para que o processo de mudança acontecesse. E acredite, essa tomada de decisão e de atitude para que a mudança aconteça é minha e sua, porque ninguém fará em meu ou em seu lugar aquilo que a vida nos convoca diariamente.

Imagina se o doente estiver sentido dor e o médico diz: “eu não vou atendê-lo!” Então, quem o fará em seu lugar?

Se o motorista do coletivo disser que não irá transportar os estudantes, então, quem irá em seu lugar?

Se o artista disser: “não vou mais produzir arte!” Então, quem fará em seu lugar?

Segundo Viktor Frankl, todas as pessoas deveriam se sentir agradecida pelas situações oportunas vividas, pelos acasos, pela sincronicidade, pelas providências recebidas e pelo apoio encontrado, mas ser grato também pelos desafios que nos foram confiados. É sinal que teríamos condições para resolvê-los.

Ser agradecido é reconhecer os benefícios recebidos da vida que abre o coração e a mente para perceber e receber novos benefícios, novos auxílios, novos dons, novas dádivas, novas graças.

Viktor Frankl afirma ainda que o sentido da vida é sempre para fora em direção ao próximo ou a algo que não seja ele mesmo, nesse caso, o sentido não é em minha direção, mas em direção ao outro, pois só assim o ser humano pode transcender e se autorrealizar. Nesse sentido, precisamos atender a “convocatória da vida”, pois todos os dias a vida nos chama a realizar algo, ou seja, a uma tarefa a cumprir e quando não realizamos esta tarefa cotidiana, o mesmo Viktor Frankl vai dizer que se abre as portas para as neuroses (ansiedade, depressão, tédio, busca dos psicoativos, estresse, violência, agressividade, homicídio e até suicídio). Por isso, negligenciar o cumprimento das nossas obrigações diárias é viver o sofrimento de uma vida sem sentido. Fugir das obrigações diárias da vida é só tardá-las em seu cumprimento, pois lá adiante a vida irá nos cobrar, então, vamos fazer hoje o que a vida nos confia.

Por isso, as situações que nós vivenciamos este ano dentro do Colégio Ana Oliveira foram a realização daquilo que a vida nos convocou a cada momento. Situações adversas enfrentadas: aumento do número de alunos no colégio advindos dos diversos cantos da cidade, sede e zona rural; situações  conflitantes dos com suas  famílias;  alunos de abrigo;  alunos das periferia; alunos especiais; alunos agressivos ; alunos com crise existencial e tentativa de suicídio; alunos envolvidos com os psicoativos; alunos com ansiedade; tédio; apatia,;  depressão;  automutilação; alunos sem projetos de vida  e sem o “para quê existo?”, que ficam vagando em seus pensamentos, fora da sala de aula, não se concentram e, por isso, não conseguem avançar na leitura e escrita. Nesse caso, analisamos a ausência familiar, a falta de limite, de carinho e de compromisso com seus filhos. Diante desses desafios, nos faltou maior apoio da secretaria de educação para enfrentar e superar tais situações, tão desafiadoras para nós. Mas credite: vencemos!

Nossa estratégia de alimentar nossa fé em Deus e nos unir na busca de soluções foi crucial.

Os diversos projetos realizados por todos nós foram um importante instrumento para despertar nos alunos o desejo de permanecer na escola, vez que a sala de aula já não é tão atraente diante das seduções oferecidas pelo mundo moderno, a exemplo das redes sociais. Afinal de contas, que atrativo tem um professor com um quadro e pincel na mão diante de alunos ansiosos para viver aventuras de vida?

Chega a ser desumano tal comparação. Mas acredite: nós conseguimos!

Tudo bem que não alcançamos os corações de todos os alunos, no entanto, é evidente que depois dos projetos, atividades e viagens muitos de nossos alunos mudaram e estão mudando.

À medida que realizamos a tarefa que a vida nos pede, desempenhamos a incumbência que a vida nos dá e cumprimos a missão que nos é outorgada, mais graça e dons recebemos, maior alcance terá nossa missão na vida, por isso, mais alegria pela realização de sentido teremos e mais felizes seremos.

Trago aqui duas experiências com duas alunas, ambas 8° ano, uma matutino e a outra vespertino, elas não participavam das aulas e nem me respeitavam muito. Mas depois de uma roda de conversa com poucos, na qual conversamos sobre diversos assuntos, essa aluna mudou completamente para ela e para mim. A outra, que tinha uma antipatia a minhas aulas e a minha pessoa, depois que eu a levei à secretaria da mulher, onde recebeu várias instruções e orientações sexuais, sobre os cuidados com o corpo, mudou o olhar em relação a mim, começou a entender que o que eu quero para ela é melhor para sua jornada nesse mundo, que não é nada fácil viver nele, sobretudo sem a elaboração de projetos de vida.

Conto ainda outro fato curioso, certa vez estava na missa da segunda-feira e notei que um aluno estava com seu pai na igreja. Esse aluno é um dos que fica desafiando os professores e rodando no pátio da escola, então eu não perdi a oportunidade e fui falar com o seu pai. Pedi ao aluno para aguardar um pouco enquanto conversávamos. É claro, ele ficou branco! Mas não podia perder essa oportunidade de salvar meu aluno, então conversei com o pai sobre seu comportamento e pedi encarecidamente que ele, enquanto genitor, não abrisse mão de cuidar e acompanhar seu filho, porque os adolescentes, sobretudo os meninos, carecem muito da presença do pai. A presença paterna dá firmeza, segurança e desenvolve a autoconfiança na criança e no adolescente. Depois de conversar a sós com o pai, conversei com o adolescente, mostrando o meu amor, carinho e sentimento de benevolência para com ele. Aí não deu outra, o garoto mudou e seu pai, toda vez que me vê, vem conversar, porque ganhou confiança. E isso é nobre!

Para Viktor Frankl o sentido do servir é a maior honra para uma pessoa: ajudar sempre e em todo lugar.

Por isso, devemos responder com responsabilidade à vida, sem se importar com as circunstâncias, pois somos chamados a fazer tudo que está ao nosso alcance para fazer o mundo melhor. Sendo assim, findamos o ano vendo e assistindo nossos alunos mostrando seus potenciais, dando show nas atividades artísticas e fazendo apresentação nas ruas e praças desta cidade, tudo isso nós mostrando que valeu apena nossos esforços, dedicação, engajamento e união.

Desse modo, estamos fechando nosso ano com chaves de ouro, com a sensação de dever cumprido, mesmo sentido em nossos corações por aqueles alunos que não se permitiram ser alcançados por nosso amor, carinho, orientação e conselho. Um dos principais lemas da vida de Viktor Frankl era que podemos e devemos agir para mudar as situações, mas também reconhecer que há circunstâncias diante das quais não podemos mudar; mas devemos resignar-nos diante da realidade ou providência, e deixar-nos levar (KLINGBERG, 2002, p. 170-171). No primeiro encontro Humanístico – Existencial de logoterapia realizado em 1984, no Rio grande do Sul, Frankl, finalizou com estas palavras: “O mundo está difícil e se tornará ainda pior, a não ser que cada um tente fazer o melhor possível”.

Agradecemos a toda equipe diretiva da escola, aos professores e demais funcionários que se permitiram a ser afinados como um instrumento que vai tocar uma bela melodia. E aqui estamos nós de pé para celebrar a vida e dizer “obrigada, meu Senhor!”, “obrigada a mim e a você que disse que sim à vida, mesmo quando tudo parecia não tem solução!” Por isso, todos nós temos uma tarefa urgente: trabalhar de forma pessoal e comunitária para que as crises mundiais sejam solucionadas a partir do que está em nosso alcance.

Encerro esse texto com um trecho da música de Roupa Nova

Começo, Meio e Fim

Roupa Nova

A vida tem sons que pra gente ouvir

Precisa entender que um amor de verdade

É feito canção, qualquer coisa assim

Que tem seu começo, seu meio e seu fim

A vida tem sons que pra gente ouvir

Precisa aprender a começar de novo

É como tocar o mesmo violão

E nele compor uma nova canção

Que fale de amor

Que faça chorar

Que toque mais forte

Esse meu coração

Ah, coração

Se apronta pra recomeçar

Ah, coração Esquece esse medo de amar de novo…

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