Empresária que morreu de câncer conforta própria família com carta póstuma: ‘Minha hora chegou e tá tudo bem’

09/03/2023 02:26 • 6m de leitura

“A minha hora chegou. E tá tudo bem, gente. Tive a oportunidade e o privilégio de me preparar pra ela. Me redescobrir e receber o melhor das pessoas. Essa é uma despedida honesta e, absolutamente, grata”. Nas palavras inesperadas da empresária Juliana Carvalho Lopes, amigos e familiares encontram conforto para a partida dela. Antes de falecer para um câncer, ela deixou uma carta para ser lida na própria cerimônia de despedida. O relato é, ao mesmo tempo, uma despedida, um desabafo e “uma aula”. Juliana fala sobre como passou a enxergar a vida depois do câncer. “Meu objetivo, desde o meu diagnóstico foi desmistificar a doença, o processo e o fim da vida […] Eu vivi meus últimos anos com dignidade e alegria, apesar do câncer. E como eu sempre repetia – com todo respeito a toda dor e a maneira que cada um tem de lidar com seus perrengues – é possível, sim, ser feliz com câncer. Eu fui”, diz trecho da carta. Para o marido de Juliana, Márcio Antunes, a esposa foi altruísta, mesmo debilitada pela doença, ao se preocupar em confortar os que ficaram. Ele conta que a carta despertou nele um sentimento ambíguo, em que ao mesmo tempo que todos sentiam a partida de Juliana, se reconfortavam com as palavras dela. “Ao mesmo tempo que a gente estava triste, a gente se sentiu reconfortado. Ao menos amenizou o sofrimento de saber que ela foi tranquila, foi em paz, e que ainda, naquela situação que ela estava vivendo, ela se preocupou em nos apoiar. Tem sido muito emocionante porque a gente vem vivenciando a leitura dessa carta no dia a dia”. Juliana enfrentou um câncer de intestino. Depois de passar por oito procedimentos cirúrgicos para combater a doença, a empresária estava um quadro irreversível, realizando cuidados paliativos para tentar diminuir o avanço do câncer e amenizar a dor. Pouco antes de falecer, em 4 de março, mesmo abatida pela doença, Juliana organizou uma grande festa para 150 pessoas. Foi em fevereiro, na segunda-feira de Carnaval. Márcio disse que para Juliana, aquela era a festa de despedida. “Ela sempre encarou com a doença bastante tranquilidade. E nunca se lamentou a condição dela. O texto, além de tudo, é bastante verdadeiro […] É muita saudade que a gente vai sentir sempre, mas é tanta coisa boa que ela deixou que no dia a dia tem nos ajudado”.

Vida juntos

Dos 45 anos vividos por Juliana, 32 foram ao lado de Márcio. Os dois se conheceram quando eram adolescentes, aos 14 e 16 anos, respectivamente. De Londrina, no norte do Paraná, eles tiveram dois filhos. Márcio contou que a carta foi uma surpresa para ele e a família, mas que o objetivo do material fez jus ao estilo atencioso de Juliana. “Sei, humildemente, que sentirão saudades da minha presença, das minhas patifarias, da nossa convivência, eu já estou… Mas espero que se apeguem as nossas pequenas lembranças, nossos momentos de alegria e risadas, nossas trocas”, diz a carta da paranaense. Segundo Márcio, a carta deixada pela esposa foi enviada por e-mail para as irmãs dela, dias antes da Juliana falecer. Na mensagem, ela pedia que a família só abrisse a despedida após a partida dela. Ele lembra que durante o tratamento, Juliana enfrentou a doença com determinação e coragem. “Ela só chorou uma vez, no dia que recebeu o diagnóstico. No dia seguinte, ela falou pra mim: ‘não choro mais. Se eu tenho pouco para viver, eu não vou ficar morrendo todo dia. Eu vou me ocupar de viver’. Eu sempre soube que ela era forte, mas parece que enfrentar o câncer transformou ela em uma coisa muito maior. Tudo que ela tinha de potencialidade foi amplificado”.

‘Minha despedida’

Leia, abaixo, a carta de Juliana na íntegra:

“A minha hora chegou. E tá tudo bem, gente. Tive a oportunidade e o privilégio de me preparar pra ela. Me redescobrir e receber o melhor das pessoas. Essa é uma despedida honesta e, absolutamente, grata. A despedida de uma vida linda, cheia de sentido, de amor e das pessoas mais especiais que eu poderia ter tido o privilégio de conviver. Minha família, minhas amigas e amigos e tanta gente, que apesar da pouca intimidade, se fez tão presente, com gestos, palavras, orações, força.

Durante o tratamento, passei por muitas fases aqui dentro de mim. E, felizmente, encontrei as minhas próprias ferramentas psíquicas para lidar com o câncer e com as pessoas da minha vida. E fui sustentada pela força, o afeto, a parceria e o amor de vocês, cada um à sua maneira. E passei a tentar compreender os sentimentos e emoções das pessoas que me cercam, me atrevendo a entender e experimentar, da forma objetiva, racional, mas também, empática, o que sente o outro. Pra mim, funcionou, espero que pra vocês também. Uma certeza, morri cheia de gratidão no coração e cercada das melhores pessoas.

Aliás, se eu puder deixar um pedido, desmistifiquem o câncer ou outra doença grave. Desmistifiquem a morte, afinal, ela é o maior clichê da nossa vida. Meu objetivo, desde o meu diagnóstico foi desmistificar a doença, o processo e o fim da vida. Acho que funcionou, vocês entenderam e eu vivi os últimos anos com dignidade e alegria apesar do câncer. E como eu sempre repetia – com todo respeito a dor e a maneira que cada um tem de lidar com seus perrengues – é possível, sim, ser feliz com câncer. Eu fui.

Um recadinho para quem me acompanhou no trecho: Sei humildemente que sentirão saudades da minha presença, das minhas patifarias, da nossa convivência, eu já estou… Mas, espero que se apeguem as nossas pequenas lembranças, nossos momentos de alegria e risadas, nossas trocas. Construam nossas memórias. Espero ter deixado material pra isso. Para carregarem um pouquinho de mim em cada um de vocês (só a parte boa!), mas com alegria, sem drama. Vocês sabem que drama nunca foi meu forte.

Li, certa vez, que “o luto é o preço do amor”. Eu, só posso agradecer o tanto de amor que vocês me dedicaram. E desejar que vocês, meus amados e amadas, vivam esse luto, do jeito mais leve e alegre que vocês puderem, assim como eu levei a vida.

Sabe qual é a maior homenagem que vocês podem fazer a mim? É honrar as suas próprias vidas, com honestidade nas relações, alegria, integridade, empatia, amor e muita diversão, claro! Aliás, depois da minha despedida, se juntem e vão tomar um chopp, ouvindo um samba e falando bem de mim. O da minha mãe é escuro.

Eu deixo chorarem a minha partida, faz parte. Mas, acima de tudo, celebrem a minha vida. Estou em paz. Fiquem também”.

G1*

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