Um grupo de pesquisadores franceses pode ter descoberto uma das causas de algumas pessoas desenvolverem a forma mais grave da Covid-19 e precisarem de respiração artificial. A descoberta traz a esperança de um novo tratamento que evite o agravamento da doença.
A pesquisa, publicada na revista Science e realizada por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores dos hospitais públicos parisienses (APHP), do Inserm (Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica), da Universidade Paris-Descartes, do Instituto Pasteur e do Imagine, observou 50 pacientes.
Observando 50 pacientes com Covid-19, constatou-se que o fenótipo imunológico dos que desenvolvem uma forma grave têm uma resposta alterada pelos chamados interférons do tipo 1, proteínas da família das citoquinas naturalmente produzidas pelas células do sistema de defesa do organismo e que ajudam a combater as infecções.
Segundo os cientistas, os doentes tinham uma “tempestade inflamatória” semelhante a gerada por por uma doença genética rara que causa uma produção excessiva de interféron e ataca os pulmões.
Ao investigar essa hipótese, entretanto, o que a equipe observou foi o fenômeno oposto nos casos graves. “Nas formas mais graves e críticas, quando o paciente precisa ser entubado e internado na UTI, constatamos uma diminuição clara da produção do interféron. Também testamos a atividade dessa molécula antiviral, que despencou em comparação aos pacientes que desenvolveram uma infecção moderada”, explica explica o geneticista e imunologista Frédéric Rieux-Laucat, que participou da pesquisa.
De acordo com Rieux-Laucat, esses pacientes não produzem intérferon, deixando o vírus livre para se replicar, enquanto o sistema imunológico continua tentando combater o invasor, em um mecanismo que acaba por ser “autodestrutivo”.
“O vírus alimenta uma resposta imunológica ineficaz, que conduz à forma patológica. A similaridade entre a doença genética e a doença infecciosa é a presença de muita interleucina 6 e de TNF, que são moléculas inflamatórias que podem ser muito patológicas se são produzidas em excesso”, explica.
Os pesquisadores ainda desconhecem o porquê de o vírus bloquear a produção desta proteína. São duas hipóteses: o vírus pode ter genes capazes de reduzir essa produção ou certos pacientes teriam essa propensão por conta da idade ou de outras doenças, como o diabetes do tipo 2 ou a obesidade, por exemplo.
De acordo com o especialista, é possível que certas patologias estejam associadas a uma má-produção dessa molécula essencial para que o organismo possa se defender. Ele esclarece que pessoas com doenças autoimunes, por outro lado, não desenvolvem formas necessariamente mais graves.
“A tendência a desenvolver uma forma grave pode ocorrer por razões genéticas ou porque alguns pacientes geram anticorpos contra o interféron, inibindo a resposta imunitária”, diz o pesquisador.
O estudo pode trazer um norte para a produção de um novo medicamento que impedirá o agravamento da doença.
“No caso de pacientes hospitalizados, poderíamos medir sua produção de interféron e caso haja uma diminuição, podemos administrar a molécula, que já é utilizada nas práticas clínicas. Pudemos observar que a pesquisa de doenças raras pode ser útil para doenças comuns e infecciosas”, diz Rieux-Laucat.
A ideia é administrar, nas formas graves, o intérferon para bloquear a replicação do vírus. Os remédios contra a inflamação, como a dexametasona — considerado o primeiro tratamento eficiente para reduzir mortes por Covid-19 — podem ajudar a controlar a chamada “tempestade inflamatória” que é causa patológica da destruição dos pulmões.
A equipe ainda não pode testar o tratamento porque, com o confinamento, o número de casos graves felizmente despencou, mas na hipótese de uma provável segunda onda, o protocolo, que já foi aprovado, poderá ser testado e diminuir a mortalidade, o tempo de internação na UTI e até mesmo evitar que o paciente seja entubado. Os testes clínicos serão pilotados no hospital Cochin pelo imunologista Benjamin Terrier.