Antes do Coronavírus, apenas seca impediu realização do São João na Bahia, há 59 anos

24/06/2020 03:49 • 5m de leitura

O São João, oficialmente comemorado nesta quarta-feira (24), terá uma configuração diferente do habitual neste ano. Por conta do novo coronavírus, as festas em todo o estado da Bahia foram canceladas pelo governo estadual e por prefeituras locais. Você sabe a última vez que isto aconteceu? Os dados históricos não são claros neste sentido. Contudo, estima-se que, neste atual modelo da festa, as festividades juninas só foram canceladas de forma ampla em 1961, com uma seca devastadora que atingiu o Nordeste do Brasil e ficou famosa na literatura sertaneja. Esta é uma análise do historiador Clóvis Ramaiana. Ele explica que, somente após a década de 1960, o São João ganhou configurações de festa de massa. “Como é muito raro uma seca que atinge o Nordeste todo, só nos grandes cataclismos que deve ter havido suspensão geral, como a seca de 1961, que é a seca mais tenebrosa segundo pessoas que conversei”, explica, em entrevista ao Bahia Notícias. Em 2010, outra grande seca também culminou em cancelamentos por toda a região. No entanto, nada que se compare à pandemia do novo coronavírus – ou à seca de 1961. Em relação às pandemias, o pesquisador é enfático: nenhuma cancelou o São João de forma tão intensa como a Covid-19. Principalmente pelo fato de que, nos momentos em que essas doenças aconteceram, o Nordeste não foi tão atingido – e também não havia festas juninas nos atuais moldes, com aglomerações e contornos mercadológicos. “O São não é uma festa assim tão plurissecular. Provavelmente, é a primeira pandemia que o São João pega é essa. A gripe espanhola não fez um grande estrago no sertão, e a peste bubônica na década de 1920 também não chegou forte. Teve algumas regiões que sim, como Riachão do Jacuípe, Tanquinho, que foi bem devastadora”, supõe. “Mas aí você tem um fenômeno de que o São João não era uma festa de massa, mas bem mais caseira. Provavelmente é a primeira experiência de suspensão geral do São João”, acrescenta. Ainda segundo o historiador, o São João, no atual formato que conhecemos, ganhou ainda mais força a partir da década de 1990, com a chamada “carnavalização”. Neste cenário, tradicionais festas privadas e shows em praças públicas passaram a ganhar força. “O São João já foi suspenso outras vezes, mas pontualmente. Por exemplo: morre uma pessoa na cidade e aí suspende. Mas a primeira suspensão geral é essa, porque é depois que a festa também virou geral”, indica. Para a jornalista e doutora em antropologia, Cleidiana Ramos, embora o poder público tenha promovido a suspensão das festas com aglomerações, a população não vai deixar de comemorar a data. Para a pesquisadora, “a própria forma ou dinâmica da festa não permite ser colocada numa camisa de força”. “O que a gente percebe é que esse sentimento de festejar é muito rebelde à norma. Então, não adianta você dizer que 2 de Julho não é 2 de Julho, porque as pessoas vão lembrar do 2 de Julho. As pessoas que, por exemplo, usam a data para celebrar um aspecto mais religioso, possivelmente vão lembrar dos caboclos e vão fazer alguma coisa naquele dia, porque para elas é 2 de Julho e acabou. Não interessa se tem decretou ou não”, opina. Vale ressalta que tanto 2 de Julho quanto São João tiveram seus feriados antecipados em nove municípios baianos, numa estratégia para conter a disseminação da pandemia. Ainda para Cleidiana, as mídias digitais servirão para fomentar os festejos, mesmo que eles não possam ocorrer de maneira presencial. “O que eu acho é que as pessoas vão achar as mais variadas formas, seja fazendo o ‘arraiá’, se conectando, fazendo chamada no WhatsApp. Mas é interessante porque, talvez, por muitas décadas, possivelmente a gente tenha um São João, mesmo que virtual, como era antes da espetacularização. Eu digo nessa coisa de família, de confraternizar”, pontua. Já para Ramaiana, a data não terá esta configuração “pé de serra”, como ele classifica o São João das décadas pré-culturalização de massa. “Em história a gente fala de longa duração. É um fenômeno que, para ser refeito, teria que ter uma duração maior. E uma parcela significativa do pé de serra é ter gente no pé de serra. E, para usar a expressão de um velho amigo meu, ‘a roça acabou’. Diminuiu a população. Boa parte das pessoas ou é muito idosa ou muito jovem. Para formar uma sociabilidade, duraria muito tempo. Só a pandemia não teria esse efeito”, argumenta.

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