Academia de Letras da Bahia lançará livro de escritor araciense na próxima terça

23/10/2020 05:24 • 6m de leitura

A Academia de Letras da Bahia (ALB) lançara na próxima terça-feira (27) o livro “A ordem interior do mundo”, do escritor araciense Franklin Carvalho. A obra que venceu o Prêmio Nacional de Literatura 2019 da ALB será lançada às 17h30 em evento virtual neste canal (aqui). “A vida nas cidades do interior pode ser menos tranquila que a imaginada, e sua gente, muito pouco pacata. Entre ruas e becos silenciosos têm lugar muitos dramas, assombrações e histórias patéticas, com personagens estranhos convivendo em casas coladas umas às outras,” é esse o universo retratado nos oito contos do livro. Segundo o autor, a coletânea, publicada pela Editora 7 Letras, questiona a ordem social quase imutável e ao mesmo tempo precária, instável, das pequenas cidades. “São sociedades consideradas mais simples, onde podemos observar claramente o conflito e a reafirmação das normas, com grandes frustrações e pequenas satisfações dos moradores. Podemos absorver lições sobre a condição humana universal”, explica. “Tomado isoladamente, tudo aparece muito maior e mais claro, a maldade, a opressão, o amor, o preconceito e a loucura”, conclui. A coletânea, que tem prefácio da crítica Gerana Damulakis e orelha do escritor Saulo Dourado, se inspira em histórias reais recolhidas pelo autor em várias cidades do Brasil, principalmente Araci, sua terra natal, que já foi muito bem descrita por Franklin no romance Céus e Terra, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura do Serviço Social do Comércio – Sesc 2016 e do Prêmio São Paulo de Literatura. Foi de Araci que saiu o conto “Leste”, escrito a partir do caso real de uma viúva “deserdada” pela família do falecido marido. A pobre mulher teve que se mudar com os filhos pequenos para um velho casarão tido como assombrado.

Em “Papéis de Ofício”, uma professora assume o comando de uma cidade numa noite em que todos os políticos se envolvem num acidente. A protagonista não recebeu um voto, mas, só por estar com as chaves da prefeitura, assume o poder e começa a agir com os mesmos abusos dos mandatários locais. O roteiro mostra como a fofoca, o compadrio e outros vícios estão entranhados na vida pública brasileira, em que não vale o que está escrito. Em “O Caçula” e “A vida inteira”, Franklin usa personagens desajustados para falar dos desafios morais dos moradores do interior. No primeiro caso, um jovem filho de um povoado vira lobisomem enquanto tenta se adequar às exigências da família e da comunidade. Na outra história, um ex-presidiário tenta retomar a rotina, mas os vizinhos lhe exigem mais crimes e heroísmo. Em “A noite e mais um dia”, o autor usa um episódio contado por Euclides da Cunha, em “Os sertões”, sobre uma mulher que teria amaldiçoado os soldados da campanha de Canudos, dizendo que eles ficariam vagando eternamente pela região. O conto “Colapso”, por sua vez, é uma denúncia explícita da corrupção. Diz um trecho: “Já no princípio chegou muito material, que foi roubado pelo engenheiro encarregado, um velho chamado Eunício Maia, migrado da capital do estado cheio de arrogância. Maia passou três anos explorando a força bruta dos homens que trabalhavam quase que somente com as unhas, pois as ferramentas também eram desviadas, ou se partiam facilmente, pela má qualidade… as caminhonetes que apareciam nos fins dos dias eram emprestados dos comerciantes locais. E não havia segredo nenhum naquele descaminho, os próprios operários carregavam os veículos com o cimento e ferros e pedras. Lá na cidade, a farra foi tanta que houve vereadores eleitos graças a esse importe”. Os dois contos que encerram o volume carregam na densidade e foram inspirados em dois crimes. “Não se põe o sol” foi escrito a partir do livro “Caso Canozzi: um crime e vários sentidos”, da historiadora Sara Nunes, que relata o assassinato de um cacheiro viajante na cidade de Lages (SC) em 1902 e a posterior santificação desse personagem, com muitas mentiras envolvidas. “Em cismar sozinho à noite” remonta uma história da infância do autor em Araci, quando um vizinho assassinou um mendigo que lhe veio pedir esmolas. “A cidade ficou estarrecida, considerando aquele sujeito um monstro. Como ele fugiu, todas as vezes em que íamos às roças, ao meio do mato, temíamos que aparecesse. Virou uma lenda”. Na ficção, Franklin procurou a redenção para o assassino, com base nos preceitos da religião popular. “A ordem interior do mundo está nas pessoas. E a desordem também”, avalia o escritor.

TÍTULO – O título do livro faz referência aos “quadrados mágicos”, diagramas usados na Idade Média em que os números colocados em cada coluna, cada linha ou nas diagonais davam a mesma soma em qualquer direção. Havia “quadrados mágicos” com 9, 16, 100 casas, dentre outros, e se atribuía a cada tipo a regência de um astro do sistema solar, e deles se dizia também que representavam “A ordem interior do mundo”. O pintor e matemático alemão Albrecht Dürer registrou um quadrado de 16 casas na gravura Melancolia I, que está na capa do livro de Franklin. “Vi o quadro de Dürer pela primeira vez em 1986, aos 16 anos, num compêndio de matemática. Guardei a ilustração e só muitos anos depois, na internet, soube da tradição dos “quadrados”. Acho que o título ficou bem adequado para esse livro, que fala da ordem, do interior e do mundo”, informa o escritor.

Fotos: Arquivo Pessoal

FRANKLIN CARVALHO é jornalista e autor dos livros de contos “Câmara e Cadeia” (2004) e “O Encourado” (2009). Em 2016, o seu romance Céus e Terra venceu o Prêmio Nacional de Literatura do Serviço Social do Comércio (Sesc), e em 2017, o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria Autor Estreante com mais de 40 anos. O autor participou da comitiva brasileira na Primavera Literária Brasileira e no Salão do Livro de Paris, eventos realizados na capital francesa em 2016, e foi palestrante na Feira do Livro de Guadalajara (México – 2017) e na Festa Literária de Paraty 2018. Em 2019, ganhou o Prêmio Nacional de Literatura da Academia de Letras da Bahia com o livro de contos “A ordem interior do mundo”. Em 2020, o Itaú Cultural escolheu seu conto “Primeiro tu” dentre os 12.982 trabalhos inscritos no edital de apoio à literatura “Arte como Respiro”, que teve como tema “A Vida Pós-Pandemia”. Tem contos publicados na Revista Gueto, na Ruído Manifesto e na Coleção Identidade, da Amazon.

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