A onda “Globo-lixo”; artigo de Carlos Klei

29/04/2020 09:34 • 26m de leitura

Por: Carlos Klei Carvalho de Moura

Nota: Antes que insurja nos equívocos de vãs intepretações, esse manifesto não se destina a defender os interesses de uma emissora de televisão qualquer. Seu real objetivo é criticar a multiplicação de postagens desencadeadas nas redes sociais ausentes de significados, sem uma consulta prévia de nossas sanidades mentais, baseadas tão somente na fraqueza das emoções.

I PARTE:

A moda:

Ultimamente, tornou-se visivelmente comum a difusão das manifestações populares contrárias à Rede Globo de televisão, isso acontece com maior frequência, nas redes sociais que facilita o compartilhamento de informações. O meio virtual, permite que essa proliferação acelerada seja possível uma vez que os envolvidos dispõem de um “falso” anonimato aumentando sua autonomia para articulação do simbólico desejado, pois, uma característica do indivíduo camuflado nas massas é “um sentimento de poder invencível […] sendo a massa anônima […] desaparece por completo o sentimento de responsabilidade que sempre retém os indivíduos.” (Freud, 1920-1923/2011, p. 20). Entretanto, é preciso compreender sempre, que em qualquer situação, somos indivíduos responsáveis por nossos atos e que, ao reproduzir supostas verdades alheias podemos nos prejudicar e, até mesmo, nos incriminar.

O espantoso nesse modismo imediatista que se replica insano é que o movimento até agora não apresenta uma nova proposta e baseia-se tão somente no discurso da defesa dos princípios da ética, da religião e família; valores estes, que outrora circundavam nos resquícios da conduta moral do ser. Desse modo, o indivíduo politicamente correto, é agora, aquele que difunde manifestos de repúdio contra tudo aquilo que supostamente ameaça à integridade humana.

O inimigo:

Entretanto, o inimigo que aqui se levanta é fruto tão somente de neuroses conflitantes de um povo conservador que a tempos vem negando a existência de seus próprios elementos-base, essenciais em garantir uma sociedade modelada nos desejos da perfeição fraterna. Agora, frente ao dano causado pela apatia que submergiu seu pacote de conceitos nas profundezas do abismo, dando lugar a novos modelos (estes mais libertários), esse tipo de ser agora, agrupado no poder do compartilhamento das redes, fora desesperadamente tomado e conduzido por um desejo insaciável de exorcizar seu opositor. O problema é que:

 “(…) pelo simples fato de pertencer a uma massa, o homem desce vários degraus na escala da civilização […] na massa é um instintivo, e em consequência um bárbaro. Tem a espontaneidade, a violência, a ferocidade, e também os entusiasmos e os heroísmos dos seres primitivos.” (Freud, 1920-1923/2011, p. 24).

Uma preocupante questão aflora, todos aqueles que não compactuam com esse pensamento delirante e massivo, é, portanto, alvo a ser batido. Esse totalitarismo, já foi incorrido em tempos não tão remotos e insiste em secundar.

O renascimento da ética

De repente, como se num passe de mágica, todos esses princípios dantes indiferentes, ressurgem numa grande parte da população brasileira, como necessários e suficientes para a moralização do sujeito e, como efeito disso, mostra-se descontrolado, a figura do homem sublime dotado de juízos superiores, revigorado, encontra-se apto a combater o bom combate.

Este, se auto eleva sobre àqueles que se apresentam contraditórios e no intuito de afrontar e exterminar aquela que seria a responsável pela transmutação dos valores, ataca tudo e todos com seu polimorfismo robotizado lançando inconsequente suas arpas envenenadas de ódio contra o seu inimigo, bem definido, o seja, a Rede Globo de televisão e todos que no exercício de sua livre escolha simpatizam com um ou outro programa da sua grade de entretenimento.

Eis que surge valente o homem-massa aquele que Ortega y Gasset (s.d) denomina como “(…) um sujeito esvaziado de sua própria história, sem entranhas de passado e, por isso mesmo, dócil às disciplinas internacionais”. O defensor das causas e princípios sem efeito, advogado voluntário do nada. Perdidos no emudecer de sua consciência vazia, apenas difundem o que o seu intelecto não explica, e quando ousa, apenas repete enfadonhas palavras tradicionalistas como: família, religião, moral cristã (…)

A propagação:

Todo o ataque é propagado através de vãs repetições, distribuições que oscilam como uma onda midiática descontrolada. Chama a atenção que a maioria daqueles que difundem seu ódio pela emissora não é capaz de diagnosticar de forma salubre os fantasmas que o ameaçam, são meros reprodutores da cultura do ódio de tudo contra todos, e fazem desse fluxo uma doente manifestação típica da massa ignara, não correspondendo necessariamente à verdade.

Temos então, um aglomerado de desejos individualistas que totalizados não se unificam por sua contradição. Hegel, filósofo alemão, descreve esse fenômeno dizendo que a opinião pública seria um conjunto de opiniões individuais que, somadas, não seriam capazes de expressar a opinião comum do grupo. Insultos raivosos lançados ao vento (ou melhor, lançados rede à fora).

O que há por trás?

Um paradoxo entre o real e o abstrato, entre aquilo que existe de fato e uma vontade de ser emanada das profundezas mais baixas do intolerante. Uma guerra travada entre a loucura e a lucidez, dissemelhantes que se alternam na conformidade de seus pontos de vistas. Em meio a tudo isso, posto-me com olhar perplexo dadas vastas proporções da insolente batalha enredada às expensas da mediocridade denunciada na motivação.

O fervoroso confronto que repousa sobre nossas cabeças, por si só, flagela-se, na fragilidade dos preceitos que não mais se sustentam. Denunciam explicitamente os desejos mais sombrios de um povo que se divide em dois grandes grupos partidários. O movimento anti Globo não passa senão, de uma política sórdida entre duas vertentes que se antagonizam apoderando-se de tudo que é medíocre com um único proposito nefasto de desimanar o ódio entra as partes.

A cegueira provocada pela sordidez política impulsiona uma visão alargada sobre as maledicências explicitadas pela tv Globo, de mesmo modo, propositadamente, todas essas iniquidades que ameaçam as bases sociais, de forma conveniente, são abafadas e desaparecem sob o olhar míope dos que nada querem ver. O mal aqui é um ponto que se flexiona entre o tolerável ou não. O que se tolera então? Tudo aquilo vindo de todos os lados, prejudicial ou não, bestializado ou não, imoral ou não, doutrinador ou não (…). Ademais, o maligno, é apenas o que advém das transmissões daquela que passou a ser tachada de emissora nefasta, porém, não deixa de figurar os picos de audiência.

Trocar seis por meia dúzia

É um erro pensar que todos os indivíduos são representados pelo movimento que se alastra, e mais delirante ainda é julgá-los estúpidos quando contrários. Com tapa olhos, os voluntariados da massa, são incapazes de notar que não existe nenhum plano concreto de sobreposição em seus discursos, estão entorpecidos no furor irradiante pela falta de razão, não considera o outro como sujeito capaz de opinar e manipulados aspiram em manipular.

Na sociedade midiática de massas, a opinião pública é forjada na “cultura global pasteurizada”. Ela é moldada, domesticada, controlada, infantilizada e incapacitada de distinguir os próprios interesses dos alheios, defendendo-os como se fossem seus e tendo a capacidade crítica usurpada pelas media (BOLZAN DE MORAIS; STRECK, 2010, p. 193).

Ascenção e queda, dois lados de uma mesma moeda, é o que temos como proposta; a promoção de uma em detrimento de outra. Trocar seis por meia dúzia é colocar nos picos da audiência outra tão igual ou pior à primeira, isso é fato! De lado oposto àquela que seria a manifestação da libertinagem total, estão outras que apoderando-se das baixezas do conservadorismo cristão e alicerçadas no discurso do evangelho da prosperidade, assoberbam-se cada vez mais às custas de seus mantenedores alienados (doutrinados), seguidores obedientes e fieis.

Incondicionados na incapacidade de seu definhar que se inclina rumo à sua própria decadência, estes, tem subtraído de si, até a sua alma em troca do enriquecimento daqueles que possuem o poder da persuasão e com suas eloquentes oratórias, manuseiam suas ovelhas e as colocam absortas num estado de paralisia total, enquanto extrai tudo que lhe for permitido em favor de seu próprio bem. De um lado ou de outro, não se observa senão jogo de interesses no desejo da manipulação das massas.

Argumentos fragilizados

Muitos dos que justificam sua aversão tem arraigado sua causa, na alegação de que a emissora de televisão, provoca a destruição dos valores e da família, dos ideais conservadores – que convenhamos – , não mais se sustentam numa sociedade que almeja uma vida inteiramente livre. Esse ódio impotente não passa de ressentimentos retraídos da figura do indivíduo que em sua decadente descrição se autodenomina superior, ele destrói tudo que ameaça seus conceitos e verdades, tidas por ele mesmo, como absolutas.

Acontece que estamos copulados numa sociedade inteiramente plural, logo, esse tipo retraído de ser, esse super-homem com seus ideais imperantes contaminados com uma sistematização doutrinária impenentrante e cruel, deve, contudo, ressignificar o sentido de verdadeiro e falso, pautando seus valores nos princípios da miscigenação e da cultura, na diversidade dos indivíduos.

O declínio:

Com a mesma celeridade que avança, todo protesto decai malgrado impotente causa. O fracasso da campanha acontece quando ao acusar a emissora de televisão em reduzir a espécie humana conduzindo ao seu inevitável fim, propõem convicções invariantes numa sociedade que se remodela cotidianamente. O enfrentamento já nascera destinado ao fracasso da parte que o propôs, pois, sem justificativa plausível, assoberbada na arrogância de suas convicções, esquecera de dialogar com a miscigenação.

Desse modo, sobra-lhe apenas, por não apresentar os resultados pretendidos, devido a uma incapacidade generalizada em torno do processo, a fadiga. E nesse exato momento, levanta-se clarividente a imagem inabalável do opositor, designado ao triunfo sem sequer, ter tido a oportunidade de apresentar suas armas.

Minha luta:

O que defendo é algo mais democrático onde todos possam ter o direito da diversidade cultural televisiva e sobretudo escolher por “livremente” o que gostariam ou não de assistir. Fora isso, o que teremos sempre é uma guerra de interesses travada por aqueles que estão abaixo nos picos de audiência contra os que estão logo acima, no intuito de que numa batalha vencida, se coloque no cume da pirâmide.

Isso é o que temos, o interesse pelo poder numa sociedade capitalista. Nenhuma proposta inovadora de nenhuma parte, inclusive àquelas que alegam, embasar seus serviços nos princípios éticos cristãos são vencidas pela impulsiva necessidade da audiência. Algumas destas para mim, apresentam-se até mais nocivas ao homem, pois, na busca exacerbada do “poder” negam a fé que pregam e exibem programas tão idiotizados e “pecaminosos” quanto qualquer outra.

Em verdade, a nossa luta deve ser por uma mídia mais independente e que nos proporcione programas mais inteligentes. E isso, só ocorrerá quando entendermos que a verdadeira mudança acontece em nós, pautada na educação e no conhecimento. Afinal de contas, a mídia, tal como ela é, nada mais é, que produto do meio.

Os verdadeiros culpados:

A redução do ser, a sua bestializarão, toda e qualquer desconfiguração do humano, não é atributo de um canal apenas, essa manifestação é compartilhada por todos, embora não observada. Programas sensacionalistas e desprezíveis que não prestam serviço à evolução do homem, estão presentes tanto de um lado, quanto de outro. Portanto, quebrar as correntes de uma é amarrar-se inevitavelmente à outra.

Sendo assim, quais os verdadeiros culpados senão todos? Cada qual imerso em suas próprias arrogâncias e cada um apontando irresponsabilidades alheias. Todos são iguais perante o jogo de interesses que o consomem. Combater a Rede Globo de televisão está longe de ser uma luta de princípios, não passa de ambição pelo poder por aqueles que buscam o primeiro lugar. E em meio a tudo isso, o povo, com suas bandeiras flamejantes, sem uma mensagem contundente escrita, debatem-se.

Trivial:

Um cliché, foi o que se tornou o bordão “Globo-Lixo”. Parece que ao difundi-lo o sujeito sente-se mais intelectualizado, mais forte, comprado àqueles que o ignoram. Entretanto, o mais contraditório de tudo isso, é que os mesmos que devastadoramente fuzilam com sua metralhadora alucinante expondo de maneira inconsciente em suas páginas uma, duas ou mais vezes… postagens conjuradas contra a emissora em questão, são os mesmos que interagem com seus programas e distraem-se em suas longas listas de novelas. Quando não, estão curvados ensandecidamente a outras emissoras com igual capacidade de desumanização do indivíduo.

II PARTE – UM OLHAR CONCLUSIVO

Não vejo deveras, pesquisas denunciarem o enfraquecimento da emissora combatida, até agora não vi números evidenciando sua queda na audiência. O que reforça a assertiva: a maioria das pessoas são replicantes inconscientes de uma campanha que se tornou mania “apenas”, e no fundo, não passam de meros simpatizantes desta, incapazes de praticar aquilo que defendem em essência. Com isso, vão negando publicamente uma preferência que se inclina diretamente aos entretenimentos da emissora que é atacada por sua ambiguidade de caráter – hipócritas. “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.

Em verdade, nenhuma estação excede a outra em morbidez crônica daquilo que nos apresenta; ambas se relacionam num mesmo patamar. E, de igual modo, nenhum simpatizante da campanha está num degrau mais elevado que outro em ignorância, todos comungam da mesma insensatez. Esse comportamento perigoso, arguido pelo discurso dos valores morais conservadores, bate à nossa porta e nos ameaça.

O discurso totalitarista em defesa dessa moral, em defesa da família e de valores que sobrepõe o direito da diversidade e do pluralismo religioso (assim como quer o fascismo) não é exclusivo de nossa contemporaneidade. Essa manifestação autoritária, já aconteceu em outros momentos da história, com resultados devastadores. O filósofo Michel Foucault dizia que o poder só é efetivo quando ele constrói saber. Caso contrário, há resistência.

Chomsky escreveu significativas obras sobre aquilo que intitulou de “desorientação do rebanho”. Especificamente em Mídia: propaganda e manipulação política, o filósofo sugere técnicas essenciais para adquirir o consenso na opinião pública, duas delas são: a) Instigar a população; e a melhor forma de instigar a população é disseminando o medo, neste caso, o medo pela destruição dos lares. “É necessário, também, instigar a população para que apoie aventuras externas (CHOMSKY, 2014), e b) Crie slogans vazios e genéricos, como: “Todos pela paz”. “Contra a corrupção”. “Salve a democracia”. “Liberdade duradoura”, “Globo-Lixo” etc. Frases chamativas e envolventes, possuem apelo, porém tem significados vazios. Quem seria contra a paz? Ou, quem não quer viver numa liberdade eterna. E ainda, quem não se colocará contra a uma emissora que leva o lixo à suas casas? Incitado os ânimos, como ovelhas, “as massas instruídas são enquadradas e repetem os slogans que se espera que repitam, e a sociedade entra em decadência.” (CHOMSKY, 2014).

O que existe de fato é uma não proposta,  a supressão de alguns valores em conformidade de outros. A extinção do direito que temos de escolha, através da imposição fatídica de elementos dominadores e exclusivamente autoritários. E, torneando tudo isso, a moral religiosa que se apresenta como única e verdadeira, lançando impiedosamente ao fogo quaisquer manifestações de cultura e fé ancestrais. Tudo que tem cheiro de plural deve ser combatido, tudo que nos conduza a uma reflexão no viés das diversidades é visto como espectro inimigo e precisa ser neutralizado, deve ser lançado ao fogo simbolizado nos desejos, uma vez que já temos superada essa fase.

Na verdade, esse pensamento tomou partido de tudo que fraco, e agora aproveita-se de uma sensibilidade ininteligível que enraivecida é usada em seu favor disseminando seus interesses. Mas quem de fato define o inimigo? Quais convicções são pré-estabelecidas para determinar um ou outro mal? Pois, não havendo diferenças entre uma e outra relativas à degradação moral, a divisão entre o que é bom e o que é mau, não passa de uma arquitetura maldosa projetada por aqueles das camadas inferiores ambicionando poder.

Visto tantos desencontros de opiniões em nossa existência, somos obrigados a perguntar: “em que tipo de mundo e de sociedade queremos viver e, sobretudo, em que espécie de democracia estamos pensando quando desejamos que essa sociedade seja democrática?” (CHOMSKY, 2014). Esse mesmo autor, nos apresenta duas vertentes democráticas:

Uma delas considera que uma sociedade democrática é aquela em que o povo dispõe de condições de participar de maneira significativa na condução de seus assuntos pessoais e na qual os canais de informação são acessíveis e livres. (CHOMSKY, Noam, 2014, p. 6)

Outra concepção de democracia é aquela que considera que o povo deve ser impedido de conduzir seus assuntos pessoais e os canais de informação devem ser estreita e rigidamente controlados. Esta pode parecer uma concepção estranha de democracia, mas é importante entender que ela é a concepção predominante. Existe uma longa história, que remonta às primeiras revoluções democráticas na Inglaterra do século XVII, que expressam, em grande medida, esse ponto de vista. (CHOMSKY. Noam, 2014, p. 6)

A primeira definição, apresenta-se mais interessante aos que de fato pretendem uma convivência baseada nos princípios de respeito e igualdade mútua. A segunda, não muito atraente, mas possível, nos mostra uma democracia modificada aos costumes, uma teoria nos ideais progressista aniquilada pela prática do seu inverso.

Isso posto, é de fundamental importância, decidirmos qual sistema pretendemos, e, consequentemente, tentarmos entender e justificar na linha de pensamento adotado, o comportamento de um povo que reduz sua causa declarando guerra a uma rede televisiva, julgando-a e condenando-a impiedosamente sem provas contundentes de seu ilícito. Ou ainda, produzindo provas à luz do racismo, da homofobia, da intolerância religiosa, e de outros elementos de natureza desprezível.

Pessoas assim, são incapazes de compreender uma causa maior, são incapazes de entender que a nossa verdadeira luta se resume no antagonismo de classes, uma concreta ameaça do opressor contra o oprimido, não nas abstrações das ideias. Esse tipo de ser, nada mais é que fração vulnerável, alienável, vencido pela força dos meios de comunicação de massa, um adversário fácil a ser batido, pois segundo Adorno, “O inimigo que se combate é o inimigo que já está derrotado, o sujeito pensante.” (ADORNO, p, 140).

Devemos combater contra tudo e todos que buscam nos aprisionar na caverna, que enriquecem cada vez mais enquanto padecemos, nossa luta, é senão, contra todo o sistema opressivo. Mais nocivo que a libertinagem “supostamente” ameaçadora é a asfixia produzida nos ideais de um viés simploriamente unificado. É suplantar parasito completamente acuado, imobilizado e vencido na ausência das possibilidades, frente a uma força exclusivamente unilateral. Eis, nossa verdadeira causa.

O que enxergo nessa onda que se alastra é a massificação do desejo de uma minoria alargada pelo poder das redes, que sempre vai se alternando entre a ascensão e queda, a vontade de uma burguesia numa oscilação que só acontece entre eles. E, circunscrito nesse movimento ondulatório, estão indivíduos sedentos de poder, com seus interesses particularizados que se aproveitando da anestesia mental do ser,  promovem a difusão de seus interesses no intuito de conseguir seus objetivos. — Enquanto isso, a classe mais baixa, o povo, usado e humilhado (…), perece e debatem entre si causas sem efeito, questões históricas que fogem à sua competência intelectual. Homossexualidade, racismo, inclinações políticas, sexualidade, religiosidade, moral, ética, enfim, questões minimizadas na certeza do achismo.

Ao contrário dos que muitos pensam, difundir “Globo-Lixo” não nos torna sujeitos intelectualizados e capazes de neutralizar a ameaça dos supostos desvalores detectados através de pontos de vistas diferentes, abstraídos de uma rede de televisão apenas. Ao contrário, na verdade, essa postura de status quo nos torna indiscutivelmente imbecis, perceptivelmente sujeitos sujeitados e manipuláveis, nos configura incapazes de percebermos essas mesmas ameaças em outras emissoras, uma vez que, nos tornamos cegos e conduzidos por uma raiva focada e ocupada em dilacerar seu alvo incessantemente. Indivíduos que no fervor da cólera não se dão conta que as massas não permanecem junta para sempre:

[…] tão subitamente quanto nasce a massa também se desintegra. Nessa sua forma espontânea, ela é uma construção delicada. Seu caráter aberto, que lhe possibilita o crescimento, representa-lhe também um perigo. A massa traz sempre vivo em si um pressentimento de desintegração que a ameaça e da qual busca escapar através do rápido crescimento. Enquanto pode, ela absorve tudo; uma vez, porém, que tudo absorve, tem ela também de, necessariamente, desintegrar-se (CANETTI, 1995, p. 15).

Sempre haverá a persuasão acompanhada da imposição tendenciosa que se desponta de todos os lados, a vontade pelo controle, pela disseminação das ideias de uma linha de pensamento apenas, sugerindo a dominação de uma vertente sobra a outra. Tudo isso, se resume num processo asmático de domínio que baila incessante o mundo dsa ideias, numa impulsividade que se sobrepõe umas nas outras. A “massa é impulsiva, volúvel e excitável. É guiada quase exclusivamente pelo inconsciente” (Freud, 2011, p. 12). 

A consciência pessoal está cada vez mais desbotada pela consciência coletiva, pré-estabelecida. As necessidades replicadas por este indivíduo, ainda que reputadas como suas, não lhes pertence e nem tão pouco são frutos de sua intelectualidade, além de medíocres e efêmeras, são resignadas sob a serventia da indústria cultural, estabelecendo uma dicotomia na conexão entre o elevado grau do progresso tecnológico dinamizado pela sociedade contemporânea e o homem alienado arranjado nesta que preconiza conceitos estagnados.

Se a organização da sociedade impede, de um modo automático ou planejado, pela indústria cultural e da consciência e pelos monopólios de opinião, o conhecimento e a experiência dos mais ameaçadores eventos e das ideias e teoremas críticos essenciais; se, muito além disso ela paralisa a simples capacidade de imaginar concretamente o mundo de um modo diverso de como ele dominadoramente se apresenta àqueles pelos quais ele é construído, então o estado de espírito fixado e manipulado torna-se um poder real – um poder de repressão – quanto outrora o oposto da repressão, o espírito livre, quis eliminá-la. (ADORNO, 1986, p. 70).

A indústria cultural determina a homogeneização a um degrau do totalitarismo, espalhando sua filosofia dominante como regras culturais a serem personificadas. Um pouco de lixo, ou, um pouco de qualquer sentimento, por menor que seja, porém, capaz de inflamar e provocar tudo aquilo que outrora se põe como verdade absoluta, é de fundamental importância para abalar as estruturas, que já se encontram estabelecidas, como o ideal intransponível. Nos apressemos, pois, “A dominação tem sua própria estética, e a dominação democrática tem sua estética democrática. […] Obviamente, a transformação física do mundo acarreta a transformação psicológica de seus símbolos, imagens e ideais” (MARCUSE, 1973, p. 77).

Essa provocação, faz ressurgir o homem de seu estado neutralizado, há temos lançado pelos “donos da verdade”, nas profundezas do abismo de sua inconsciência, totalmente desprovidos de sua capacidade racional. Ao serem provocadas, ambas as partes reagem, esta última, com mais fervor, ao deslumbrar a retomada de sua racionalidade, percebe uma inconsistência de mundo minimizado pelas interpretações de alguns.

Surge nesse momento, um novo homem, esse, não mais preso e manipulável, mas, verdadeiros e convictos de sua leitura de mundo. Entende que suas convicções não devem ser consideradas como ideias incondicionais, blindadas às contestações. Este, ao ser libertado de um submundo sombrio, único, singular, simplista, (doutrinador)…, compreende que elementos díspares são essências para o processo evolutivo da raça humana. Todo o devir é desprezível quando embasado numa ética fixada – valores religiosos por exemplo – ; toda evolução deve provocar mudanças em direções diversas, se assim não for, não passa senão de uma reafirmação daquilo que já temos, negando os opostos.

Quando, acordado de seu sono profundo, o homem renovado percebe que, de um lado, o sonho de liberdade pautado na diversidade do indivíduo, ainda que timidamente, aflora; do outro, um conservadorismo que sobrevive à história e insiste em prevalecer. E no meio, se apresentam aqueles que não compreendem nem um e nem outro (os manipulados). Ao olhar de cima, este homem entende a necessidade de decidirmos qual o mal necessário, aquele que melhor nos representa enquanto sujeitos contemporâneos e na impossibilidade do consenso para a escolha de uma parte, a convivência. O problema é que essas duas classes antagônicas de ideias, nunca estiveram e nem estarão num estado permitido de coexistência, surgirão sempre conflitantes uma com a outra.

Ao despertar do silêncio em que imergira involuntariamente, quebra as correntes na qual ao longo dos tempos fora domesticado. O silêncio é devastador, ou porque não dizer, libertador? Albert Einstein já falara sobre o silêncio, “Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio – e eis que a verdade se me revela. Entretanto, o novo homem, descobre que até mesmo a verdade é passível da não verdade, pois, ela mesma é absorvida pela ambiguidade, pela antítese daqueles que julgam compreendê-la. Percebe também que, a onda das mobilizações em massa sem um verdadeiro significado, reduz seus integrantes numa mesma incapacidade intelectual, inibindo suas ações e aprisionando seus pensamentos:

[…] as inteligências menores abaixam ao seu nível as maiores. Estas são inibidas em sua atividade, porque o aumento da afetividade cria condições desfavoráveis para o correto trabalho mental, e além disso porque os indivíduos são intimidados pela massa e o seu trabalho de pensamento não é livre, e porque em todo indivíduo é depreciada a consciência de responsabilidade pelo que faz (Freud, 2011, pp. 23-24).

O homem renascido não mais se presta a esse desserviço. Não compartilha em suas redes sociais campanhas insignificantes como Globo-lixo ou qualquer outra disparada no calor das emoções, por entender ser esse movimento, uma fraqueza desnecessária às suas novas aspirações. Sendo assim, essa mobilização torna-se em sua própria essência, instrumentos de manifestação ineficaz, proliferados pelos pseudos intelectuais, reprimindo tudo e todos que julgarem ameaças potenciais, e pasmem-se, julgamentos incentivados por um alto grau de insanidade mental.

O problema é quando ao aniquilar uma suposta potência televisiva, transferimos nossos desejos de moral a outras tão iguais ou pior. A queda de um gigante suscita o nascimento de outro, e, qual no cenário brasileiro está apto a se tornar a nova fonte de alienação? Àquelas que pervertem os ideais humanos em troca de uma doutrinação perversa, baseado numa excelência fundamentalista cristã, matando abruptamente toda e qualquer manifestação cultural e religiosa contrárias à sua pregação de fé?

Quando o descontentamento não nos atinge através da desvalorização da família e da diminuição da ética social, esta acontece através da exacerbação dos ideais conservadores, através da manipulação das massas pela doutrinação religiosa que ao longo dos anos tem se remodelado a gostos e costumes. A crítica ao conservadorismo, “Não convém um combate às pessoas religiosas, principalmente àquelas que estão lá na ponta e que vivem sua fé genuinamente, que fazem dela uma forma de suportar a dura realidade da vida. Mas, sim, cabe combater a desinformação” – (RODRIGUES, Elisa).

Sinceramente, não sei qual dos meios televisivos existentes apresenta-se mais nocivo ao ser. O que vejo nessa perspectiva é uma mídia fragilizada em todos os sentidos… seja pela falta ou pelo excesso.

REFERÊNCIAS:

ADORNO, Theodor W. Sociologia. Organização de Gabriel Cohn. São Paulo: Ática, 1986.

CANETTI, E. (1995). Massa e poder (S. Tellaroli, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras.

CHOMSKY. Noam, – Mídia Propaganda a Manipulação. São Paulo, 2014.

FREUD, S. (1905) “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. In: FREUD, S. Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1972, v. VII.

Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do eu (P. C. L. de Souza, Trad.). São Paulo: Complanhia das Letras. (Obra original publicada em 1921). 

MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. 4 ed. Tradução de Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

ORTEGA Y GASSET, J. M. (s.d) A rebelião das massas. Lisboa: Relógio D’Água.

RODRIGUES. Elisa, Professora do Departamento de Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Disponível em https://www2.ufjf.br/noticias/2020/04 /16/o-conservadorismo-nao-e-religioso-e-uma-conduta/. Acessado em 27/04/2020
às 20:11.

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