A baraúna é uma árvore resistente da caatinga, que atinge entre seis e 15 metros de altura na fase adulta. Sua madeira é utilizada para fazer mourões, estacas, postes, portais, moendas, prensa de casa de farinha, pilões, lenha e carvão. Na medicina popular, segundo o Centro Nordestino de Informações sobre Plantas (CNIP), é usada no tratamento da histeria, nervosismo, dor de dente e de ouvido, assim como para combater vermes em animais domésticos. Esta árvore tem importante papel na alimentação de abelhas e insetos, sendo considerada melífera. Suas folhas servem como forragem para caprinos e ovino, enquanto a casca, repleta de taninos, é usada em curtumes. Apesar de todas essas qualidades, a quase bicentenária baraúna, próxima à fazenda Tingui, em Araci, ficou conhecida por motivos diferentes: reunir em torno de si assombrações e semear o medo entre os moradores da região. Em meados do século XIX (19), o capitão José Ferreira de Carvalho, dono da fazenda que deu origem ao município, assinou contrato com o governo da Bahia para abrir estradas. Uma delas era a ligação entre Alagoinhas e Monte Santo, passando pelo então distrito de Nossa Senhora da Conceição do Raso, hoje Araci. No traçado, nas imediações da fazenda Tingui, havia uma baraúna no meio do caminho. Apesar de ser aconselhado a derrubá-la, o capitão decidiu mantê-la, contornando-a pelos dois lados.
Naquele tempo, só transitavam por ali carros de bois, tropeiros e pedestres. Daqui por diante quem conta a história é o agricultor, criador de animais e carpinteiro Joanísio Alvino de Oliveira, 83 anos, descendente de José Ferreira e proprietário da Fazenda Tingui. Criado na região, Joanísio começou a estudar aos 12 anos. Ele andava quatro quilômetros para chegar à Fazenda Caldeirão, onde uma professora de Salvador ministrava aulas para as crianças da região. Com muito esforço, o menino completou o quarto ano. Aprendeu a escrever e a ler, o que lhe permitiu “devorar” dois livros sobre a história do município. Joanísio diz não acreditar em visagens e lobisomens. E explica o motivo: “Sempre ouvi contar história de lobisomem. Um dia apareceu um aqui perto. Ele gostava de ficar debaixo de um cajueiro. Uma luz piscava quando ele estava lá. O povo corria com medo. Aí, um velho, casado com minha prima, disse que ia matar esse bicho. Tomou um copo de cachaça no arame (250 ml), pegou uma espingarda velha e ficou esperando. Quando viu aquela luz, acendendo e apagando, foi andando devagar. Ele arribou perto do cajueiro e gritou: “Se correr, morre”. Aí, aquela coisa implorou para não morrer. Na verdade, era um garoto vestido com capotes velhos e um couro de carneiro encruado bem grosso. Ele morava a um quilômetro do cajueiro e gostava de assustar quem passava”.
Assombrações
A história de que a baraúna era mal-assombrada é bem antiga. Vem do tempo em que os moradores da região carregavam os defuntos em uma rede para sepultar no centro de Araci e paravam para descansar à sombra da árvore. Ganhou força porque a baraúna também servia de local para colocação de oferendas para orixás do candomblé. Assim como acontecia com lobisomens, Joanísio sempre foi cético com relação aos fantasmas que diziam assombrar ali. Ele era menino quando carregou o primeiro corpo em uma rede: o da cunhada da avó dele. Depois, passou várias vezes pelo local, sem nunca ter visto nada. No entanto, um fato iria lhe deixar para sempre em dúvida sobre a existência de almas penadas. “Eu saí do centro de Araci para a fazenda por volta das oito horas da noite. Ia eu mais um primo meu. A noite estava bem escura, não se avistava nada. Perto da baraúna tinha um pé de pau-de-colher. De repente, apontou um vulto branco, que passou do meu lado. Levava como se fosse uma criança estirada nos dois braços. Quando ela passou, perguntei para Velho Zuza, meu primo: “Ô compadre, viu?”. Ele disse que sim. Eu perguntei o que ele tinha visto. A resposta foi “uma mulher de branco”. Dizem que uma alma só é vista por uma pessoa. Nós dois vimos. Foi a única coisa que vi perto da baraúna. Fiquei sem saber se era vivo ou se era morto. Fiquei abismado: uma mulher sozinha na estrada, de oito pra nove da noite. Só ela, sozinha, levando um menino deitado, estirado…”
Apesar de fazer parte da história da cidade, a baraúna foi destruída no ano passado (2018) para tristeza de Joanísio, que a considerava um monumento dos moradores antigos. “Eu vinha da roça e cadê? Quando cheguei só tava cinza. Botaram fogo na árvore. Acabaram com a história”.
Sobre Paulo Oliveira, o autor do texto:
Jornalista, 57 anos, traz no sangue a mistura de carioca com português. Em 1998, após trabalhar em alguns dos principais jornais, assessorias e sites do país, foi para o Ceará e descobriu um novo mundo. Há dez anos trabalha na Bahia, mas suas andanças não param. Formou comunicadores populares nas favelas do Rio e treinou jornalistas em Moçambique, na África. Conhece 14 países e quase todos os estados brasileiros. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.
Fonte: Meus Sertões
Imagem de Capa: A baraúna de Araci, por Pedro Juarez