MUNDO CIDADÃO, Jornalista José Osmando de Araújo
Escravatura, nosso mais vergonhoso legado
“A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos.”
Darcy Ribeiro
O calendário nacional registra, neste 13 de Maio, a Abolição da Escravatura, momento em que o Brasil formalizou, através da Lei Áurea, assinada nessa data em 1888, a extinção do trabalho escravo dos negros em nosso país. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, mas, fora do aspecto meramente legal, deixou um legado vergonhoso de desrespeito e agressão aos descentes negros em todo o território nacional, até hoje fortemente vigente em muitas camadas da sociedade brasileira. Até mesmo em ambientes oficiais.
Quando o antropólogo Darcy Ribeiro, esse extraordinário pensador que dedicou sua vida, sobretudo, às causas do índio e do negro, e a denunciar uma cultura de racismo, preconceito e perseguição aos afrodescendentes, estava ele coberto de razão. Seguramente, a escravidão foi a mais terrível de nossas heranças, uma vergonha que o país haverá de arrastar pelas costas por todas as suas gerações.
Darcy, nos seus sérios e dedicados estudos, calculou que o Brasil “gastou”, nessa sua expressão significando consumiu, eliminou, 12 milhões de negros escravos, desde os mais de 5 milhões transportados da África, somandos aos milhares e milhares filhos que nasceriam em território brasileiro. Isto sem levar em conta os mais de 300 mil de negros africanos que morreram durante as inúmeras viagens dos navios negreiros.
O Brasil, ao fim do período colonial, constituía uma das maiores massas negras do mundo moderno. Sua abolição, a mais tardia da história, foi a causa principal da queda do Império e da proclamação da República.
Mesmo tendo uma lei que aboliu a escravatura, o Brasil não cuidou de proteger os negros que se libertaram das garras de seus patrões, jogando os ex-escravos a toda sorte de desgraças, sem teto, sem chão e sem alimentos. Assim, as classes dominantes reestruturaram eficazmente seu sistema de recrutamento da força de trabalho, substituindo a mão de obra escrava por imigrantes importados da Europa, cuja população se tornara excedente e exportável a baixo preço.
A abolição da escravatura foi o resultado de um processo de luta popular, que contou com a adesão de parcelas consideráveis da sociedade brasileira, especialmente dos intelectuais, além de ter sido marcada pela resistência dos escravos, cujo marco mais significativo foi a bravura de Zumbi dos Palmares no seu reduto Serra da Barriga, em Alagoas.
Não é de estranhar que o 13 de Maio, Dia da Libertação da Escravatura, não se tenha tido o cuidado em dar à data o caráter de feriado. Poucos se lembram desse dia no distante ano de 1888, sem qualquer razão, portanto, para festejar coletivamente. Talvez, provavelmente, para fazer esquecer essa nossa tragédia maior, essa vergonha que nos faz sempre menor como Nação, tornando-nos incapazes de ser a tão decantada “democracia racial” que muitos insistem em pregar.
A marca maior da má resolvida abolição da escravatura é, certamente, o verniz mais bem acabado da imensa desigualdade social que domina a Nação de canto a canto. O fosso entre ricos e pobres, passados séculos, continua vivo e crescente no Brasil.
Fonte: Meio Norte