A Rússia anunciou nesta quinta-feira (6) que registrou uma nova vacina no país, a Sputnik Light. Trata-se de versão em dose única da Sputnik V, que o país já vem aplicando na população desde agosto de 2020 e que tem registro para uso emergencial em 62 países. A Sputnik V, com duas doses, usa dois adenovírus de resfriados comuns, o Ad26 e o Ad5. Neles é inserido um trecho do RNA do coronavírus, responsável por codificar a proteína S (de “spike” ou espícula, estrutura usada pelo vírus para se ligar às células do hospedeiro), para produzir a resposta imune no organismo. Já a Sputnik Light usa apenas a primeira dose da Sputnik V, que é formulada só com o adenovírus humano recombinante 26 não replicante (Ad26). De acordo com os desenvolvedores do produto, a primeira dose da Sputnik V já confere uma eficácia de 79,4% de proteção 28 dias após a injeção, o que gerou o estudo para a aplicação da vacina em dose única. Além disso, a dose que contém o Ad26 já induz à produção de anticorpos IgG (imunoglobulina G, ou anticorpos de memória) específicos contra o coronavírus em 96,9% dos voluntários 28 dias após a imunização, e à produção de anticorpos neutralizantes (que bloqueiam a entrada do coronavírus nas células humanas) em 91,7% dos participantes no mesmo período. Para estimar a eficácia da Sputnik Light, os pesquisadores analisaram dados de civis russos que receberam apenas a primeira dose da vacina Sputnik V e não voltaram para tomar a segunda por qualquer motivo entre o dia 5 de dezembro de 2020 e o dia 15 de abril de 2021. Não foi divulgado quantas pessoas fizeram parte deste grupo de estudo. O que os russos afirmaram é que a incidência de Covid-19 nos vacinados com a dose única da Sputnik Light foi de apenas 0,277%, enquanto na população adulta não vacinada no mesmo período foi de 1,349%, cerca de cinco vezes maior. Eles não apresentaram números de casos entre os dois braços do estudo (população vacinada e não vacinada). Embora tenham protocolado no dia 21 de fevereiro um estudo clínico de fase 3 com cerca de 7.000 voluntários na Rússia, Emirados Árabes Unidos e Gana para avaliar a eficácia da Sputnik Light, não há ainda previsão de quando esse estudo será concluído, e ele ainda consta na fase de recrutamento de voluntários na plataforma Clinicaltrials.gov. Em relação à segurança e à imunogenicidade da vacina, um estudo de fases 1 e 2 com 110 voluntários na Rússia teve início em janeiro de 2021, mas não há dados publicados ou conclusão dos testes na mesma plataforma. O diretor do RDIF, Kirill Dmitriev, afirmou que os resultados preliminares desse estudo mostraram que a dose única é bem tolerável, com baixa incidência de efeitos adversos e sem nenhum caso de trombose venosa do seio cerebral profundo (CSVT, na sigla em inglês) reportado até então num universo de mais de 20 milhões de vacinados no mundo com a primeira dose da Sputnik V. Dmitriev disse também que a dose única da vacina é eficaz contra todas as variantes do vírus em circulação e que contém em seu código genético as principais mutações do coronavírus que podem causar maior transmissibilidade ou fugir da ação de anticorpos. Por esse motivo, pode ser usada em combinação a outras vacinas como uma dose de reforço contra essas novas cepas. No entanto, não foram apresentados dados comprovando essas afirmações e nem foi feito estudo com o soro de indivíduos vacinados com a Sputnik Light contra essas mutações para demonstrar eficácia. O anúncio feito pelo Ministério da Saúde russo, o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF) e o Instituto Gamaleya lembra o episódio de registro da Sputnik V em agosto de 2020, antes mesmo do término dos estudos de fase 3 ou da publicação dos resultados de fase 1/2. A expectativa do Fundo Russo é que a Sputnik Light seja registrada até a próxima semana nos países em que a Sputnik V já possui registro ou autorização para uso emergencial. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou na última semana por unanimidade o aval para importação e uso da vacina Sputnik V no Brasil, alegando que diversos critérios mínimos necessários para a aprovação da vacina, como segurança e boas práticas de manufatura, não foram alcançados pela Sputnik V. Um dos problemas apontados pela agência foi a presença do adenovírus 5 replicante nos lotes da vacina. Os dois adenovírus usados como vetores para a Sputnik V, segundo o próprio Instituto Gamaleya, que produziu a vacina, devem ser não replicantes, mas a agência apresentou documentos do próprio instituto afirmando a presença de adenovírus replicante em quantidade não maiores do que 100 fragmentos por dose. Como a Sputnik Light corresponde apenas à dose que contém o Ad26 da Sputnik V, seu registro pode ser uma tentativa dos russos de contornarem esse problema. Além disso, o fundo russo afirmou que vem estudando o uso da sua dose de Ad26 em combinação com a vacina da Oxford/AstraZeneca. A expectativa é também que todas as produtoras dos países parceiros da Sputnik V comecem a produção simultânea da Sputnik Light. “A Sputnik V continua sendo nossa estratégia principal de vacinação, mas percebemos o interesse de vários parceiros em ter uma vacina de dose única. Por isso acreditamos que a Sputnik Light irá ser uma boa alternativa nesses locais e aumentar o número de pessoas vacinadas em todos os países que já usam a Sputnik V”, disse Dmitriev.