2 de Julho: A Independência da Bahia na perspectiva do “Nordeste Sergipanizado” da Bahia; Artigo de André Silva Carvalho

03/07/2023 03:17 • 22m de leitura

O trabalho a seguir buscará realizar uma sistematização historiográfica a fim de enfatizar a importante participação do sertão de Itapicuru de Cima e seus sujeitos históricos no processo de Independência da Bahia. É fato que a arena de disputa belicosa no que tangeu o 2 de Julho se deu geograficamente entre a capital Salvador e o recôncavo baiano. No entanto, trabalhos historiográficos apresentados a seguir, que se debruçaram sobre a emancipação política de Sergipe, nos permitem analisar a existência de uma importante articulação entre o sertão sergipanizado da Bahia e as vilas do recôncavo, a fim de garantirem a expulsão das tropas portuguesas da Bahia. Iremos fazer uma breve apresentação dos acontecimentos que se desenvolveram até chegar o 2 de Julho na Bahia, em um segundo momento analisaremos a participação da vila de Itapicuru e em última análise iremos expor os desdobramentos da Independência e da aclamação de D. Pedro na vila de Tucano, emancipada em 1837 da vila de Itapicuru.

Entre tentativas de emancipação ao 2 de Julho

AMARAL sinaliza as anteriores tentativas para a emancipação do Brasil de Portugal citando no próprio território baiano a Revolta dos Alfaiates (1799), além da Inconfidência Mineira (1798) e em 1817 a Revolução Pernambucana. Entre esses movimentos emancipacionistas, até a efetivação da Independência, o Brasil foi elevado a Reino Unido de Portugal e Algarves, Portugal sofreu com o Bloqueio Continental perpetrado pelas tropas de Napoleão, o que acabou se desdobrando na vinda da família Real Portuguesa para o Brasil em 1808, permanecendo em terras brasileiras até seu posterior retorno em 1821. Um dos resultados da volta da família Real foi ter a figura de D. Pedro I como líder do movimento de Independência. Nessa conjuntura, Portugal ao passar pela Revolta Liberal do Porto se colocava em uma controversa posição. Ao tempo em que a metrópole portuguesa se apresentava como uma Monarquia Constitucional Liberal, havia um grande movimento de suas elites, em colocar o Brasil novamente na posição de Colônia, inclusive com representação desse anseio em território brasileiro com líderes locais. Amaral destaca que em meio aos eventos do Dia do Fico e do Grito do Ypiranga, já havia nas Câmaras da Bahia movimentos de organização para combater as tropas portuguesas em “franca rebeldia”. Em 6 de Setembro de 1822 foi instaurado o Conselho Interino de Governo para ocupar o vácuo de poder deixado pela Junta da Capital, pelo Governador das Armas e das Câmaras Municipais alinhadas com Portugal. Souza Filho demonstra a organização do referido Conselho:

“Os princípios utilizados para a formação do Conselho Interino de Governo da Bahia previam que seriam “eleitos à pluralidade absoluta de votos pelas câmaras e homens bons das vilas coligadas, ou que atualmente têm aclamado a regência constitucional de S. A. R., na razão de um deputado por cada uma das ditas vilas” com o objetivo de governar a província da Bahia, em nome de Sua Alteza, o príncipe regente, ficando “as autoridades civis e militares, sem exceção alguma”, subordinadas ao mesmo Conselho, que estabeleceria “uma comissão de junta de fazenda, para dirigir as finanças” e nomearia “um comandante-em-chefe interino da força armada da província até que chegue o imediatamente nomeado por S. A. R”. Finalmente, quando a tropa de Portugal evadisse da capital, deveria o mesmo Conselho instalar um governo provincial, caso o regente ainda não tivesse designado”.

Majoritariamente a composição se deu por membros das vilas do recôncavo baiano, e o que se colocava em disputas ainda após o 7 de Setembro de 1822 era segundo Andrade:

“A construção da política de governo organizada que teve por base a estratégia do Estado Imperial do Brasil de estabelecer negociações eletivas e convenientes à construção de alianças entre oligarquias locais, de modo a manter unido todo o território do Brasil, através, por exemplo, da outorga de patentes e títulos em troca do apoio necessário ao fortalecimento do Estado e à aclamação de Dom Pedro. Na cidade de Salvador, o brigadeiro Inácio Madeira de Mello mantinha-se fiel a Lisboa, embora a região do Recôncavo demonstrasse lealdade à causa do Brasil. Os movimentos de combate entre os proprietários do Recôncavo e os partidários de Madeira passaram por duas fases distintas: o período de junho a outubro de 1822, marcado por movimentação das forças internas; e de outubro de 1822 a julho de 1823, com apoio externo do Sul, sob a liderança de Pedro Labatut”.

Além das forças combatentes iniciarem conflitos armados, nas ruas de Salvador as hostilidades já haviam passado para a população civil, grupos de portugueses e brasileiros se enfrentavam, sendo denominados de mata cabras e mata marotos respectivamente. No entanto, o exército brasileiro possuía grande disparidade em comparação ao português, já experimentado nas lutas contra Napoleão na Europa, além de melhor assistido em armas, vestimenta e alimentação. Liderados pelo General Português Madeira de Melo, que organizou a resistência portuguesa como nos apresenta AMARAL:

“Pretendeu Madeira se desembaraçar do abraço fatal que lhe impunham as forças dos rebeldes independentes, cortando o exército atacante na base da península em que está situada a capital e esmagando-o ali, pelo que lançou em 8 de novembro de 1822 as suas colunas de ataque sobre as alturas de Pirajá, sendo elas desbaratadas, com perdas consideráveis. Em 7 de janeiro de 1823, a esquadra portuguesa, incomodada pela ação de uma flotilha de barcos que os baianos haviam organizado para esfaimar a guarnição da cidade, tentou um desembarque na ilha de Itaparica e foi repelida”.

A fase do conflito trazido por Amaral apresenta a estratégia do exército pacificador, como era denominado os combatentes brasileiros sob liderança do General Francês Labatut, de realizar um bloqueio entre Pirajá e Itapuã e assim, debilitar o exército português com a escassez de mantimentos que vinham do sertão. Madeira de Melo como demonstra Amaral, se manteve persuadido a permanecer fiel a Lisboa, mesmo com assédio do governo do Rio de Janeiro a se rebelar de Portugal:

“Ninguém pode contestar que o general português Ignácio Madeira, comandante das tropas lusitanas, não fez caso das intimações e dos meios de sedução empregados pelo governo do Rio de Janeiro, para levá-lo a trair o seu juramento e que resistiu a tudo, donde forçosamente se conclui que a independência não estava feita com o dito e o grito citados, tanto que foi preciso enviar um general para comandar os insurrectos independentes, organizar de forma regular as tropas de voluntários que se estavam concentrando no Recôncavo e discipliná-las como convinha”.

As tropas em defesa dos baianos foram postas sob comando do General Francês Pedro Labatut com larga experiência em combates na Europa: Tal foi a tarefa do general francês Pedro Labatut, ao qual o mesmo governo do príncipe D. Pedro mandou depois instruções, como se vê nos anexos sob o n.º 14. Nem foi apenas uma pequena luta regional, de somenos importância, a que se feriu na Bahia, como se verifica pelo efetivo da força naval portuguesa nas águas deste porto, assim como pela importância do exército metropolitano, além de tudo mais que consta da correspondência e dos documentos da época. Restou aos portugueses romper o bloqueio pelo mar, acessando assim o Recôncavo baiano, que conforme o documento acima, também fora frustrada. Por fim, viriam abastecimentos aos portugueses provenientes da província Cisplatina, sofrendo também um duro golpe quando as esquadras encaminhadas do Rio de Janeiro por D. Pedro I bloquearam também essa rota. Aliadas as tropas de Labatut, vieram os homens do sertão comandados pela liderança de Itapicuru João Dantas dos Reis Portátil, além de tropas fluminenses, mineiras e pernambucanas chegando a contar com aproximadamente 10.000 membros. A fome afetava ambos os lados da guerra, e as más condições de combate eram ainda mais desfavoráveis ao exército dos independentes. Segundo Amaral:

“Por três vezes o exército dos independentes avançou sobre a cidade, para acabar a guerra por um assalto geral, mas foram outras tantas obrigadas a recuar, diante do tríplice linha de trincheiras, com as quais as tropas aguerridas de Madeira tinham coberto a Bahia”.

Diante do equilíbrio entre as forças nos embates, e do bloqueio do abastecimento das tropas portuguesas pelo sertão, Amaral ressalta que:

“Como o cerco se prolongasse na luta tenaz de que dependia a sorte do Brasil, o governo chamou lorde Cochrane do Chile, a fim de organizar uma esquadra e a comandar, a qual foi a primeira que o Brasil apresentou no mar e que largou a bandeira dessa nossa nação na costa da Bahia, quando ela pela primeira vez tremulou diante de um inimigo”.

A entrada das tropas do Lord Cochrane foram fundamentais para a expulsão dos portugueses da Bahia, eliminando o acesso a recursos provenientes da Cisplatina, e obrigando assim o General Labatut a se retirar. Após a Bahia, outras províncias também conseguiram expulsar os portugueses de seus territórios, concluindo o processo da Independência do Brasil e garantindo a unidade do território nacional. Por fim, garante Amaral que é preciso superar a análise do processo de Independência apenas às comemorações no Rio de Janeiro e São Paulo, em uma tentativa de imputar ao patriotismo nacional. Amaral ressalta a atuação das Câmaras Municipais na Bahia, e as articulações para garantir em cada vila a aclamação de D. Pedro I. Endossando a tese de Amaral, seguiremos analisando a atuação na vila de Itapicuru de Cima que se revelou protagonista nas ações emancipatórias até o 2 de Julho.

Ações do Capitão-mor João Dantas dos Reis Portátil na Vila de Itapicuru

Historicamente ao longo do Brasil colonial até a Independência, os sertões do território de Sergipe Del Rey estiveram em disputa, havendo muitas modificações em relação aos limites fronteiriços com o território baiano. Segundo Andrade:

“Confundem-se os sertões da Bahia e de Sergipe, com diferentes percepções quanto aos limites entre as duas unidades, podendo-se considerar as freguesias de Itapicuru (Capitania da Bahia) e a freguesia de Lagarto (Capitania de Sergipe) como eixo de separação. Itapicuru, conforme ensina Carvalho (2008), iniciou seu povoamento em 1648 durante o governo do Conde de Vila Pouca de Aguiar. Nessas terras chegou Pacífico, bandeirante que se estabeleceu em casa modesta de taipa coberta de palha, nas proximidades do rio Itapicuru, onde, em razão da sua devoção, ergueu altar à Santíssima Virgem de Nazaré. Não se sabe ao certo o nome de Pacífico, nem tão pouco se veio só ou acompanhado, no entanto, sua penetração pelos sertões se fez com convívio com as tribos Tapuias, Paiaiazes e os Orizesproeazes. Logo em torno da capela a Virgem de Nazaré formou-se a povoação. Em 1680, no governo de D. João Franco de Oliveira, constitui-se Freguesia Curada de Nossa Senhora do Nazaré do Itapicuru de Cima”.

Em meio às disputas que se seguiram em torno de Sergipe e Bahia, temos a vila de Itapicuru como território central em nossa análise, tanto por conta da quantidade de vilas e posteriores municípios que derivaram da fragmentação de seu território, formando grande parte do sertão baiano, quanto pela elite que se estabeleceu ali, participando ativamente das articulações e embates em torno da Independência. Em 1754, Baltazar dos Reis Porto, procurador de Garcia D’ Ávila, grande colonizador dos sertões de Sergipe, Bahia e Piauí, adquiriu após sua morte o Sítio Camuciatá, onde estabelece em suas posses um grande engenho, e dali sua família tornaria-se fidalga da região de Itapicuru, usufruindo além das terras, cargos militares e políticos. Neto de Baltazar dos Reis, João Dantas dos Reis Portátil atuou fortemente para garantir no território do sertão de Itapicuru a aclamação a D. Pedro I e fidelidade das vilas circunvizinhas.

“Na Capitania da Bahia e no Noroeste de Sergipe Del Rey, o capitão-mor João Dantas Reis Portátil e seus dois filhos Inácio Dantas dos Reis Leite (1793- 1836) e João Dantas Reis Portátil Júnior (1802-1872) atuavam em defesa da aclamação do Imperador. De forma autônoma organizaram exército de dois mil homens, composto por portugueses e indígenas, que, partindo da Vila de Itapicuru, onde residiam, para as vilas de Campos, Lagarto, Santa Luzia e Estância, aclamavam Dom Pedro”.

Os embates no Recôncavo e em Salvador, embora palco principal das disputas pela Independência da Bahia, não foram o único. Era preciso reverberar entre as outras partes do território baiano os ideais de nacionalidade e patriotismo brasileiro. No museu Camuciatá reedificado na década de 1890 pelo Barão de Jeremoabo, neto de João Dantas há uma lápide comemorativa à participação nesse processo de Independência, como atesta Albuquerque:

“Neste local, antigo quartel ‘Santo Antônio do Camuciata’, em 1823, o capitão-mor João D’Antas dos Imperiais Itapicuru, membro da Junta Interina que governou a Bahia em Cachoeira, partiu com uma tropa de 500 cavaleiros para lutar em prol da Independência da Bahia , nos campos de Pirajá, sob o comando do General Pedro Labatut. Deste sítio histórico, seguiu também, com seus filhos e patriotas da Independência, de Itapicuru para a Província de Sergipe, com um contingente de 2000 homens, para aclamar D. Pedro I, Defensor Perpétuo do Brasil, nos municípios de Tobias Barreto, Lagarto, Santa Luzia, Estância e São Cristóvão”. Eis um registro epigráfico recente, fixado à cabeceira do berço na família Souza Dantas, produzido na encruzilhada entre História e Memória”.

Como consequência da atuação da vila de Itapicuru, tanto na aclamação de D. Pedro I quanto na emancipação da Bahia, várias Câmaras Municipais fizeram o reconhecimento do poder do Imperador brasileiro. Como resultado também em 5 de Dezembro de 1823, D. Pedro proclama a oficial separação entre Sergipe e a Bahia. Segundo Lemos13 por volta de agosto de 1823, a carestia dos alimentos acirrava ainda mais os ânimos da população em meio a outras dificuldades. É nesse momento que o General Labatut é enviado por D. Pedro e José Bonifácio para uma tentativa de pacificação. Diante disso, é discutido por diversos setores políticos a necessidade de se constituir um Conselho Interino de Governo da Província da Bahia, se reportando diretamente ao Ministro José Bonifácio, e exigindo das vilas confederadas fidelidade. O conselho passou a contar com a seguinte representação de vilas:

“Santo Amaro com Francisco Elesbão Pires de Carvalho e Albuquerque, Cachoeira com Francisco Gomes Brandão Montezuma, que era secretário, São Francisco com o Desembargador Antonio Jozé Duarte de Araújo Gondim, Jaguaripe com o Capitão Manoel Gonçalves Maia Bittencourt, Maragogipe com o Capitão-mor Manoel da Silva Souza Coimbra, Inhambupe com o Coronel Simão Gomes Ferreira Velozo, Pedra Branca com o Cônego Vigário Manoel Dendê Bus, Abrantes com Miguel Calmon du Pin e Almeida, que assim como Montezuma, foi secretário do Conselho, tendo sido um dos idealizadores da organização administrativa da província naquele momento, Itapicuru com João Dantas dos Reis Portatil, Valença com o Reverendo Theodozio Dias de Castro, Água Fria com o Vigário Francisco José de Miranda, Jacobina com o Corregedor Francisco Ayres de Almeida Freitas, Maraú com Manoel dos Santos Silva, Rio de Contas com o Capitão José Valentim de Souza, Camamu com o Reverendo Izidoro Manoel de Menezes, Santarém com o Capitão Pedro Jorge Vieira e, por fim, Cairú com o Padre José de Mello Varjão (TAVARES, 1977, p. 104-105)”.

A composição da junta interina demonstra como houve uma pulverização em sua participação com vilas espalhadas por toda a Bahia, corroborando com os estudos de Amaral que sinalizaram para a importância de suas ações para a efetivação da emancipação. Os líderes locais não só atuaram nas frentes de batalha, pegando em armas e levando mantimentos, como também incorporaram práticas culturais para a formação de uma nacionalidade:

“Por ocasião das lutas por Independência e talvez como um gesto de patriotismo, vultos então em destaque, resolveram adotar nomes indígenas ou designação original. Assim, é que João D’Antas dos Reis Portátil passou a chamar-se João D’Antas dos Imperais Itapicuru; Francisco Gomes Brandão a Francisco Gê Acaiabá de Montesuma; José da Silva Gomes a José Corona Cristo Paraíba; Joaquim Pereira Lisboa a Joaquim Caribé Morotova. Houve Rejianaldo Saraiva Tigre de Borburema, Pedro Jequitibá Marinho e outros, sendo que o Bel. Antônio Calmon de Pin Almeida, auditor do exército pacificador, passou a chamar Antônio Calmon de Pin Patativa” (DANTAS JÚNIOR, 1929, p. 83-84.)”.

Para última análise, demonstramos elementos ao analisar a participação da vila de Itapicuru de atuação contundente para garantir a emancipação do Brasil e da Bahia, seja nas frentes de batalha, enviando tropas, mantimentos, ou atuando para internalizar na população o nacionalismo patriótico, com fatores simbólicos de conexão entre o povo e os ideais da Independência. No seguinte, iremos apresentar os desdobramentos dos atos de emancipação e de aclamação de D. Pedro I na Vila Imperial de Tucano, ainda na ocasião distrito da Vila de Itapicuru, com objetivos de compreensão acerca do enraizamento na prática do sentimento de Independência no sertão da Bahia.

A Vila de Tucano aclama D. Pedro I

Analisar a freguesia de Tucano, vila pertencente a de Itapicuru de Cima abre uma perspectiva de compreensão importante no sentido de perceber como o sertão experimentou a emancipação, mesmo distante do centro dos embates. Coube aos filhos do capitão-mor João Dantas dos Reis Ignácio Dantas e João Dantas Filho, articular entre as vilas do sertão de Itapicuru a aclamação de D. Pedro, estimulando também o sentimento de nacionalidade.

“Portaria do Cel. Ignácio d´Antas dos Reys Leite ordenando ao Cap. José Félix de Andrade que, de acordo com o Reverendo Vigário Domingos da Rocha Vianna, providencie para a aclamação de D. Pedro I nosso Imperador na vila de Tucano”.

Após a aclamação realizada pela Câmara de Itapicuru, o Coronel Ignácio Dantas determina ao Capitão José Félix de Andrade juntamente com o Vigário da vila Domingos da Rocha Vianna que realizem a aclamação do Imperador:

“Portaria: Por me ter oficiado o Reverendo Vigário Domingos da Rocha Vianna participando-me queria aclamar na sua Freguesia com os seus Paroquianos ao nosso muito alto Imperador o senhor D. Pedro Primeiro e para lhe dessem todo o auxílio a fim de que unidos os povos com toda a solenidade e aplauso se fizesse a mesma aclamação não obstante termos já em Câmara aclamado, e por que muitos dos habitantes daquela Freguesia não compareceram pela longetude e falta de cavalgaduras; Ordeno a Vossa mercê que de comum acordo com o dito referido Vigário faça convocar a todos os oficiais e soldados residentes nessa freguesia para que reunidos nesse arraial aclamem sua majestade Imperial dando-se-lhe os devidos vivas no dia em que para isso assignalarem visto constar-me da boa vontade de seus povos com que querem mostrar o seu patriotismo. Espero no seu zelo e atividade tudo dará em boa ordem. Quartel do engenho de Santo Antônio de Camuciatá. Três de Janeiro de Mil Oitocentos e Vinte e Três. Ignácio Dantas dos Reis Leite – Coronel- Comandante. Ilustríssimo Senhor Capitão José Félix de Andrade”.

É possível observar como havia uma organização gerencial instaurado no Quartel de Camuciatá de onde partiam as portarias e orientações no que diz respeito a aclamação, demonstrando que o sertão não foi apenas terras longínquas onde se recebiam notícias vinda da capital, mas por aqui ocorria de forma organizada ações para garantir a fixação do projeto de Independência. 9 dias após a portaria do Cel. Ignácio Dantas foi realizada a aclamação de D. Pedro na freguesia de Tucano em sua Igreja Matriz.

“Auto de Aclamação: Anno do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e vinte e três aos doze dias do do dito anno nesta Igreja e Freguesia de Santa Anna do Tucano, Termo da Villa de Itapicurú de Sima, comarca da Província da Cidade de Salvador, Bahia de todos os Santos em a mesma Igreja onde em presente comigo e mais cidadãos da dita Freguesia reunido se achava o ilustríssimo e reverendíssimo senhor vigário dela Domingos da Rocha Vianna pelo mesmo pelo mesmo depois de pregar ao seu povo todas as circunstâncias que haviam para ser aclamado por Imperador constitucional da Independência Política deste Reino do Brazil e Príncipe Regente e Defensor Perpétuo dele o senhor Dom Pedro de Alcântara depois de celebrada Missa cantada com grande festejo e alegria, não só do mesmo Reverendo Senhor Vigário como da minha tropa pela portaria retro do Coronel Comandante Ignácio Dantas dos Reis Leite, e mais povos cidadãos que todos abraçando em em unânime concurso exprimiram que era a sua verdadeira vontade aclamarse nesta freguesia pública e festivamente ao mesmo senhor por Imperador Constitucional deste mesmo *** com esta livre deliberação logo o sobredito Reverendo Senhor Vigário estando-se proclamou em festivos, altos e inteligíveis vozes por três vezes as seguintes vivas: Viva o nosso Alto e Poderoso Imperador, e Perpétuo Defensor da Independência Política do Brazil, depois de que em as mesmas vozes se deram as vivas a Mui Alta Senhora Imperatriz respondidos todos com alegria e entusiasmo pela tropa e cidadãos, reconhecendo desde logo por Imperador do Brazil a sua Majestade Imperial, por cujo motivo com extremoso júbilo entre repetidos repiques de Sino se ofereceu o referido Vigário com a tropa e mais cidadãos a jurarem ao mesmo senhor fidelidade amor e obediência derramando em sua defesa e igualmente pela pátria todo o sangue em suas veias. Logo se cumpriu pondo todos em suas mãos direitas sob o livro dos Santos Evangelhos em sinal de terem assim jurado e prometido cumprir. Depois do que em festejos, feliz se deram pela tropa descargas acompanhadas de outros tantos repetidos vivas, e repiques de sinos, principiando imediatamente o Te Deum Laudamus em demonstração de tanta alegria e ação de graças a Deus nosso senhor por tanta felicidade. Ao mesmo passo comigo, tropa e cidadãos acordou o sobredito Senhor Reverendo Vigário reduzir-se todo este Auto a pública forma e remeter-se ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Conselho Interino da Vila de Cachoeira para por seu intermédio fazer-se remessa a Ilustríssima Câmara da Corte do Rio de Janeiro e por esse meio ser presente a sua Majestade Imperial os humildes e apetecidos votos do Pároco e Povo desta felicíssima freguesia; e de tudo para constar se fez este termo por todos assinados e por mim Capitão do Terço das Ordenanças da Villa de Nossa Senhora de Nazareth de Itapicurú de Sima. José Félix de Andrade. Escrito e assinado”.

Ao que se possa contestar sobre a participação popular nos atos de aclamação de D. Pedro, podese contabilizar 92 assinaturas da ata na Freguesia de Tucano, entre civis e militares. Outro fato relevante é a correspondência entre a freguesia de Tucano e a Junta Provisória de Cachoeira de onde se estabeleceu o comando alinhado com o Governo Imperial do Rio de Janeiro. Não podemos cravar tal afirmação, mas é possível que a colaboração imediata da elite que se instalava na freguesia de Tucano tenha colaborado com a anuência do Governo Imperial em conceder a emancipação da vila em 1837, sendo emancipada de Itapicuru de Cima.

Referências Bibliográficas:

ALBUQUERQUE, Samuel Barros Medeiros. Sergipe e sua Emancipação no Processo de
Independência do Brasil. REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SERGIPE | Nº
52 | 2022.

AMARAL, Braz do. Ação da Bahia na obra da independência nacional / Braz do Amaral. –
Salvador: EDUFBA, 2005. 124 p.

ANDRADE, Maristela Nascimento. Poder e política no Brasil Imperial: traços da gênese e da
trajetória dos Fontes e dos Dantas no Sertão da Bahia e de Sergipe Del Rey (1820-1850) / Maristela do
Nascimento Andrade; orientador Edna Maria Matos Antônio. – São Cristóvão, 2017.

LEMOS, Antônio Cleber da Conceição. Da “causa constitucional” à “causa da independência”: os
discursos e debates parlamentares da representação da Bahia nas Cortes Gerais de Lisboa e na Assembleia Geral Constituinte do Rio de janeiro (1821-1823) / Antônio Cleber da Conceição Lemos; orientadora Edna Maria Matos Antônio. – São Cristóvão, 2018.

SOUZA FILHO, Argemiro Ribeiro. A Guerra da Independência e a multiplicidade de poder na
Bahia. ANPUH – XXII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – João Pessoa, 2003.

Artigo de André Silva Carvalho – Graduado e Mestre em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)

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